Capítulo 7 - O olhar do perigo

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Acordei ainda com a imagem do Vitor pairando na minha mente. Isso, de uma certa forma alegrava-me e entristecia-me ao mesmo tempo.

As vezes pegava-me perguntando sobre o que teria acontecido se eu não tivesse fugido das plantações naquele dia ou se o Lucas não tivesse afogado e obrigado o menino a sair do seu esconderijo. Talvez os guardas tivessem-no capturado e cortado as suas mãos como castigo ou então ele teria desviado do caminho e nunca teria encontrado o Feudo Francinatis. Agradecia internamente por nada daquilo ter acontecido pois a minha vida seria muito mais amarga e menos divertida se o Vítor não tivesse do meu lado durante todos aqueles anos.

Olhei a minha volta e apercebi-me de que estava deitada em uma cama e a Alina do meu lado. Espreguicei-me um pouco, tentando lembrar-me como fui ali parar, mas nada vinha a minha mente. Um criado mudo de madeira maciça separava a cama aonde eu estava deitada de uma outra ligeiramente maior. Horácio estava deitado sobre o mesmo ressonando em alto e bom som. Levantei a cabeça um pouco atordoada e vi o Lucas e a Clarinha abaixo de mim sobre alguns lençóis espalhados pelo soalho.

— Acordada? — A voz da minha irmã fez-me sobressaltar e olhei-a entrando no quarto já arrumada, como se já estivesse pronta para um novo dia.

— Não dormes? — Resmunguei saltando o pequeno corpo da minha sobrinha e tentando não pisar naqueles que estavam abaixo de mim.

— Sabes que não consigo dormir muito, principalmente quando se tem muito para fazer. Algumas servas ofereceram-nos algumas mudas de roupas. Escolhi uma túnica para ti. Toma, vê se serve. — Cecília estendeu na minha direção uma túnica de cor celeste e um cinto acastanhado de couro. Tomei-os a contra gosto e ela sorriu indo em direção ao marido. Ela o chacoalhou de leve e o Horácio debateu um pouco com as mãos, resmungando e dando fim a sinfonia que ele tinha instalado no quarto. — Acorda homem. Temos de preparar as crianças.

— Só um minuto mamãe. Estou sonhando. — Horácio enroscou-se ainda mais nos lençóis, escondendo os ouvidos. Segurei uma risada, colocando a túnica de lado.

— Posso te ajudar Ceci. — Disse chacoalhando os ombros da Alina. Ela resmungou, tirando as minhas mãos do seu corpo.

Suspirei e agachei-me pegando o Lucas nas orelhas e puxando-as para o lado. Ele levantou-se assustado e olhou-me mortalmente, prometendo vingança. Dei de ombros escondendo um sorriso e tornei a chacoalhar a Alina.

Depois de uma longa batalha, todos já estavam de pé com caras nada agradáveis. Eu entendia-os muito bem, pois já tínhamos duas noites mal dormidas e quando é encontrado algum conforto no meio de tanto caos, é difícil desapegar-se dela.

Descemos todos para o salão principal, o mesmo que encontrávamos na noite anterior. Belas mesas de café da manhã estavam apostos com variadíssimas guloseimas: queijos de diversos tamanhos, compotas de frutas, tartes de amêndoas, pães fumegantes e leites espumosos.

— Isso é carne? — Lucas não esperou por nós. Precipitou-se com rapidez para uma das mesas e agarrou um pedaço de algo acastanhado meloso. — Há muito tempo que eu não comia carne. Que delícia!

Ele abocanhou sem mazelo o pedaço de carne e colocou o prato com aquela iguaria a sua frente, impedindo que nenhum outro pudesse chegar perto do mesmo. Cecília um pouco envergonhada pinicou o antebraço do filho como repreensão. O Lucas deu um berro e saltou da cadeira que tinha-se sentado num pulo esfregando o sítio magoado.

— Criança! Algum dia destes vais levar-nos para a forca. Tenha modos! — Cecília sussurrou para o filho com um sorriso amarelo para os outros presentes, tentando disfarçar o seu constrangimento.

Naquele momento já tinha chegado a uma conclusão: que não importava qual seria a dificuldade que a minha família teria de passar, sempre teríamos algum motivo para dar boas gargalhadas.

O Despertar Das Rosas Negras - Melhores histórias 2022 LPOnde histórias criam vida. Descubra agora