Capítulo 19

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ANTHONY SAVÓIA

Eu me sento na cadeira de couro envelhecida no meu escritório, e o peso das décadas que vivi cai sobre mim. O nome Anthony Savóia carrega uma longa história. Safira, minha esposa, vem andando na minha direção com a determinação de sempre. Seus olhos brilham com uma mistura de amor e autoridade.

— Vamos começar essa faxina que horas, senhor Anthony? — ela pergunta, a paciência prestes a se esgotar.

— Já já, meu amor — respondo com um sorriso que tenta acalmar a tempestade que se forma no rosto dela.

Venho enrolando essa faxina há dias, talvez semanas. Não que eu tenha medo do trabalho físico, longe disso. É que a ideia de revirar o passado, mesmo que em forma de brinquedos e velharias, traz um desconforto que preferiria evitar. No entanto, o olhar de Safira é claro: não haverá outra chance de postergar.

Levanto-me com um suspiro e faço meu caminho até o andar de cima, onde os quartos dos meus filhos, Mathias e Matteo, ainda estão congelados no tempo, como relicários de uma era que já se foi.

— Não seria melhor as empregadas fazerem isso? — sugiro, tentando uma última vez escapar. Abro um sorriso conciliador, mas ela me olha com frieza e eu logo entendo que não há saída.

Subo as escadas, cada degrau me puxando para um passado que tento manter distante. O primeiro quarto que escolho é o de Mathias. Abro a grande porta preta, sentindo o cheiro de infância ainda impregnado no ar, misturado com o perfume de uma juventude que se foi rápido demais.

As paredes são azul e branco, cores que ele escolheu quando ainda acreditava que poderia ser um super-herói. Eu me sento na cama central, o colchão afundando um pouco sob meu peso, e deixo meus olhos vagarem pelo cômodo. No canto, uma grande caixa de brinquedos me chama a atenção.

Levanto-me e me aproximo da caixa, onde uma avalanche de memórias me espera. Pego a caixa e, sem muita cerimônia, despejo todos os brinquedos no chão. Um desfile de figuras familiares: Batman, Superman, e muitos outros heróis. Heróis que ele idolatrava, que eu mesmo lhe apresentara, acreditando que poderiam ensiná-lo algo sobre honra e coragem.

— Olha isso — murmuro, levantando um boneco que se transforma em carro, uma relíquia que meu pai me deu quando eu tinha sete anos. Quando Mathias nasceu, fiz questão de passar esse brinquedo para ele, como um elo entre gerações.

— Nossa, Mathias não estragou... — Safira comenta, sua voz suave, quase reverente.

Ela sempre me dizia que deveria guardar esse boneco, que era uma das poucas coisas que meu pai me deu pessoalmente. Mas eu queria dividir essas relíquias com meus filhos, e quem sabe, no futuro, com meus netos. Safira pega o boneco e começa a mexer nele, tentando transformá-lo de carro em robô. O tempo, no entanto, foi implacável, e um dos braços se solta, caindo no chão com um pequeno estalo.

— Nossa, meu amor, me perdoe — ela pede, mexendo no boneco como se pudesse reparar o estrago.

Eu seguro o riso, conhecendo bem o zelo dela por essas coisas.

— Relaxa — digo, pegando o boneco com cuidado. — Ele já era velho, mas ainda dá para brincar.

Tento recolocar o braço no lugar, mas nesse processo, algo inesperado acontece. O boneco escorrega da minha mão e ouço um som metálico pequeno, mas distinto. Olho ao redor e percebo que algo caiu do boneco. Uma pequena chave, minúscula, quase invisível, repousa no chão ao lado dele.

— O que é isso? — Safira pergunta, curiosa.

— Não faço ideia — respondo, a mente já fervilhando com as possibilidades.

 O Cretino - Nova Era 7 - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora