Epílogo

61 8 2
                                    

GRACE NORULO - anos atrás

Eu sempre gostei do silêncio. Era no silêncio que eu me refugiava, onde eu encontrava algum consolo para a vida que levava. Aqui, no meu quarto, com Trovão, meu fiel companheiro, era onde eu me sentia menos insignificante.

Enquanto o sol tímido da tarde entrava pelas cortinas entreabertas, eu me perdia nas páginas de um romance antigo. A leitura sempre foi minha fuga, meu jeito de escapar de uma realidade que muitas vezes era dura demais para suportar.

Trovão, um labrador grande e gentil, estava deitado ao meu lado, sua respiração ritmada oferecendo uma espécie de consolo mudo. Ele parecia entender minha dor de uma maneira que ninguém mais conseguia. Meu pai... Eu estremeci só de pensar nele. Ele nunca foi um homem de carinho ou paciência.

Para ele, eu era apenas um fardo, uma carga indesejada. E minha mãe... Bem, ela era apenas uma sombra, sempre submissa, sempre calada. Eu me perguntava se um dia ela já havia sido diferente, se um dia ela também sonhou com algo mais.

Perdida nesses pensamentos, quase não percebi o som de passos pesados no corredor. Foi o latido repentino de Trovão que me alertou. Levantei os olhos do livro, o coração acelerado. Sabia o que estava por vir; o clima em casa tinha estado ainda mais tenso nos últimos dias. Antes que eu pudesse me preparar, a porta do meu quarto foi brutalmente aberta, batendo com força contra a parede.

— Grace! — a voz estridente do meu pai encheu o cômodo, fazendo com que meu corpo congelasse instantaneamente. Ele entrou como uma tempestade, e atrás dele estava minha mãe, cabeça baixa, como sempre. Seu rosto parecia mais pálido do que o habitual, os olhos evitavam encontrar os meus.

Engoli em seco, sentindo as lágrimas ameaçarem cair. Não sabia o que ele queria, mas qualquer que fosse o motivo, eu sabia que não seria bom. Meu pai nunca vinha até mim a menos que fosse para impor alguma nova ordem ou expressar seu desagrado.

— Finalmente, encontrei uma utilidade para você! — ele cuspiu as palavras, um sorriso cruel distorcendo seus lábios. — Finalmente vou me livrar de você. Encontrei um marido para essa inútil, Vilma. — ele se virou para minha mãe, que não ousou levantar a cabeça.

Meu corpo inteiro ficou tenso. Casamento? O que ele estava dizendo? Como ele podia me vender assim, como se eu fosse uma mercadoria? Lágrimas silenciosas começaram a escorrer pelo meu rosto. Eu queria falar, protestar, mas o medo me paralisava. Cada vez que eu tentava encontrar minha voz, as palavras se prendiam na minha garganta.

— Pare de chorar! — meu pai gritou ao perceber minhas lágrimas. — Não seja tão fraca, Grace! Você não tem nada para lamentar. Esse é o melhor destino que alguém como você poderia esperar!

Ele deu meia-volta e saiu, batendo a porta com força. O som ecoou pelo quarto, mas o silêncio que ficou foi ainda mais pesado. Minha mãe hesitou por um momento antes de entrar, finalmente levantando os olhos para me encarar.

— Grace, querida... — sua voz era baixa, quase um sussurro. — Ele... ele arranjou um casamento para você com Matteo Savóia.

Os soluços que eu estava tentando segurar explodiram. Eu sabia que não tinha escolha, que não havia como escapar do destino que meu pai tinha decidido para mim. Mas, quando ouvi o nome Matteo Savóia, algo mudou dentro de mim. Meu choro começou a cessar lentamente, e uma nova sensação tomou conta do meu peito.

Matteo Savóia. Eu já tinha ouvido falar dele, um homem poderoso, de uma família influente. Mas, diferente de muitos outros homens da nossa sociedade, ele tinha a reputação de ser justo, até mesmo gentil. Será que eu finalmente tinha encontrado alguém que poderia me proteger?

— Ele... ele vai me proteger, mãe? — minha voz saiu trêmula, mas havia uma esperança tímida nela.

Minha mãe assentiu lentamente, seus olhos mostrando um lampejo de algo que eu não via há muito tempo. Talvez fosse esperança, talvez alívio.

— Sim, Grace. Matteo Savóia é um bom homem. Ele cuidará de você.

Eu não sabia o que pensar. Uma parte de mim queria acreditar nisso, queria acreditar que, mesmo em meio à escuridão da minha vida, havia uma luz no fim do túnel. Outra parte de mim, porém, temia que tudo isso fosse apenas uma nova ilusão, algo que logo seria arrancado de mim.

Mesmo assim, pela primeira vez em muito tempo, permiti-me um pequeno sorriso. Se Matteo Savóia era minha única chance de escapar dessa vida, então talvez, apenas talvez, eu pudesse finalmente encontrar paz.

Trovão levantou a cabeça e lambeu minha mão, como se estivesse sentindo minha mudança de humor. Eu o acariciei, ainda perdida em pensamentos, mas com uma nova determinação se formando dentro de mim.

— Eu... eu quero acreditar que tudo vai ficar bem, mãe. — sussurrei, mais para mim mesma do que para ela. — Talvez esse seja o meu destino, talvez eu tenha encontrado o meu protetor.

Continua em: Meu Protetor

 O Cretino - Nova Era 7 - ContoOnde histórias criam vida. Descubra agora