Tiago não era propriamente um galã. De hábitos estranhos e apelidos idem, nunca se importou muito com a aparência. Na verdade nunca se importou com nada nem com ninguém. Não que fosse um homem frio, pelo contrário, mas seu comportamento afetivo se assemelhava a um ser pré-jurássico. Se alguém o aconselhasse a expor seus sentimentos, a “por pra fora o que sentia” ele ia ao banheiro e achava estar fazendo a coisa certa.
Talvez com o recorde mundial de apelidos ( Fiu-fiu, Corvo, Nariz, Mandrake, Orelha, Pessoa, Eduardo- este devido 'a música “Eduardo e Mônica”-, Assovio, Pen-drive, Pança, Biscuit, Porrinha, Esculacho...) sempre se ressentiu de não ter um codinome carinhoso dado por alguma namorada. Ao ouvir casais melosos conversando, “gato, mooor, xuxu, vida, etc” imaginava qual seria a sua denominação mas como não tinha uma amada desistia desse pensamento imediatamente.
Mas era tido como um bom homem. Seus maiores orgulhos eram saber de cor as músicas “Faroeste Caboclo” e “Infinita Highway” e tê-las traduzidas em 7 línguas. Sim, o corvo era poliglota. Sem filhos e com poucos amigos, dedicou parte de sua vida 'as línguas estrangeiras. A que mais gostava era a basca, com sua pronúncia gutural, muito semelhante ao seu próprio tom de voz.
Como já dito não era afeito a sentimentos e muito menos a expô-los a terceiros porém um fato inusitado o fez mudar de ideia: por intermédio de um de seus poucos amigos, o Bitola (outro lunático que morava com 20 cães num quarto e sala em Perdizes), descobriu existir uma senhora de nome esquisito cujo vasto conhecimento na cultura do País Basco a tornou representante da Euskal Telebista no Brasil, a TV daquela região, fonte das primeiras audições da língua tão amada pelo nosso Biscuit. Só havia um problema: sua nova ídola era terapeuta, das boas disseram, e para uma aproximação julgou ser mais fácil se passar por um paciente problemático a confessar sua paixão pelo país não reconhecido pela ONU. Tinha medo de ser confundido com terroristas do ETA já que soubera anos atrás que tinha sido investigado pela Interpol após inúmeras cartas recebidas de Bilbao; na verdade eram trocas de correspondências amorosas com Itziar Gorka, uma flor de criatura cuja beleza era comparável a seu nome. Um de seus únicos amores. Virtuais, porque nunca teve coragem de conhecê-la.
Decidido, vestiu sua camiseta preferida com os dizeres: “Um basco não é espanhol nem francês, é um basco. (Victor Hugo)” e partiu para o consultório da doutora com nome estranho.
Eram 10:32h de uma quinta feira ensolarada quando Fiu-Fiu sentou-se no divã de Eleadora e disse: “Good egun mate borroka”.
Dora, lívida, não segurou as lágrimas.