Capítulo 4- Coxinha

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        Marília era de uma família tradicional espanhola. Seu pai Rubens fora cônsul espanhol no Brasil na década de 60 e mesmo com raízes tão fortes na terra natal, o amor o fez ficar. Conheceu Maria numa dessas festas de embaixadas; jovem com beleza típica andaluz, morava deste lado do hemisfério desde que o pai, artista plástico resolveu trocar o sol escaldante de Sevilha pelos arranhas céus paulistanos. Acreditava que aqui seria uma “Nova Iorque sem os americanos” que tanto odiava.

      Desta relação nasceu nossa protagonista. Após anos no Colégio Miguel de Cervantes escolheu cursar Direito, apesar do desejo do pai que seguisse sua carreira diplomática. Brilhante aluna, também fez sucesso na carreira apesar da insatisfação eterna. Algo desconhecido a movia, queria sempre mais mesmo não sabendo o que seria esse “mais”. Sua condição financeira era inversamente proporcional a sua solidão e tinha na secretária do lar sua grande amiga. Lolita era uma jovem que jogou as ambições sob o tapete e resolver ser prática: seu trabalho como diarista lhe rendia mais dividendos que o antigo emprego na fábrica de pregos; não declarava impostos, usava todo o excedente para sua diversão. Quando foi trabalhar para Marília encantou-se com aquela que era seu oposto. Como se olhasse num espelho e visse seu negativo. E permaneceu trabalhando apenas naquela casa, imensa para apenas uma pessoa, mas que cuidava como se sua fosse.

      Mas Marília tinha um ressentimento mal resolvido com seu amado pai: ele sempre interferiu em suas escolhas amorosas. Até compreendia as razões que o levavam a fazer isso mas afinal a vida era dela e, já na casa dos trinta, julgava não dever satisfações a ninguém. Mas Dom Rubens não pensava assim e sempre fez da vida de Marília um tormento a tal ponto que ela nem se relacionava mais, já desistira de agradar ao pai. Não aguentava mais aqueles “coxinhas do Itamaraty” como gostava de chamar os pretendentes direcionados por ele.

      Mas o que a fez desabar foi a notícia da morte de Lolita. Sua única e real amiga, sua companheira de alegrias e tristezas, de degustação de vinhos, de leitura e revisões de processos criminais, enfim. Achada morta em circunstâncias misteriosas, fez Marília ter certeza da solidão que a assombraria dali pra frente. E isso a fez entrar em pânico. Descobriu um desequilíbrio e descontrole emocionais que julgava não ter. E a terapia que fazia há dois anos por modismo se tornou vital naquele momento. Sua única esperança era Dora, justo ela, aquela senhora chata que lembrava tanto sua ausente mãe. Decidida, sequer marcou consulta, afinal era uma urgência, sua vida se tornou uma urgência, a solidão absoluta que se avizinhava não era uma possibilidade para ela.

      Agonizando, entrou no consultório sem saber o que procurava.  O que não imaginava era o que acharia ali.

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