Capítulo 7 - Epitáfio

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      Marília por um instante sentiu-se culpada por esboçar um sorriso naquele momento de luto. Mas a sensação de êxtase era incontrolável. Fechou os olhos e imediatamente pensou na canção de Morrissey:

“Close your eyes

And think of someone you physically admire

And let me kiss you, oh.

Let me kiss you, oh.

But then you open your eyes

And you see someone that you physically despise

But my heart is open

My heart is open to you”

         Se Tiago era desprovido de beleza, tinha no bom humor e na musicalidade suas grandes virtudes. Além disso ela se sentia muito carente e atributos físicos não era propriamente o que procurava nesta altura da vida.

         Então o beijou. Com força, muita força. Se a boca de Tiago fosse um hodômetro de veículo, veríamos que era um modelo semi novo, daqueles com pouco uso, “carro de mulher”, muito bom para revenda. Mas naquele início de tarde primaveril, ele sentiu-se forte, único, navegando em mares calmos, com um sol agradável e uma brisa reconfortante em seu rosto e pássaros  cantando apenas para ele.

     Decidiu que era o momento de acompanhá-la aonde quer que ela fosse, a começar pelo velório de Lolita. E assim o fez.

        Para o espanto de Marília, ele praticamente cuidou de tudo sozinho, do modelo do caixão, passando pelos preparativos do enterro e comunicados aos (poucos) parentes e amigos da vítima. E, encantada, chorou copiosamente numa mistura de emoção, saudades e surpresa quando seu novo parceiro recitou algumas palavras antes do sepultamento:

      -“Na simplicidade da vida encontraremos a tranquilidade do descanso. No amor ao próximo, receberemos o sublime e eterno amor do universo. Não precisei te conhecer para saber o quão especial eras para estes que agora te circundam e choram sua ausência.  A presença deles só confirma isso. Descanse em paz.”

      Aliviado e admirado com sua capacidade retórica antes desconhecida, Tiago seguiu com Marília até sua casa e despediu-se com um afetuoso abraço. Ela pediu para ficar só aquela noite. E assim ele foi, feliz por descobrir ser capaz de sentir e retribuir seus sentimentos.

         E ela, agora sozinha em seu quarto, sem Lolita para dividir as novidades de sua nova conquista amorosa, só conseguia pensar em uma pessoa naquele momento: Dom Rubens e o pretenso domínio sobre seus sentimentos. Marília precisava virar esse jogo.

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