Marília tinha razão. Gechina e Tiago se valeram do método mais bizarro de fuga. Entraram no coração da política espanhola, Madri. Com documentos e referências falsos tornaram-se funcionários da coroa. Poliglotas em tempos de crise tem mais oportunidades e assim conseguiram emprego como guias do Palácio Real. Após um rápido treinamento estavam organizando visitas a estrangeiros, mostrando a suntuosidade do lugar, ainda usado pela família real espanhola mas aberto a visitação pública. Sabiam que ali, “nas barbas do rei”, estariam protegidos.
Conseguiam notícias de Bilbao por meio de ligações de celulares pré pagos e e-mails falsos. Sabiam que a vigilância sobre seus pares era intensa e tinham informações da quase captura antes de saírem da capital basca apenas com a roupa do corpo. Optaram por residência rotativa, mudavam de pousada a cada 15 dias e se identificavam como mãe e filho. Tereza e Luis. Apesar da tensão da identidade falsa e da fuga constante estavam felizes, tinham uma relação fraternal e o disfarce só acentuou a ligação entre os dois.
Dora, Gechina, Tereza. O que mais a vida reservaria 'a psiquiatra? Numa espécie de esquizofrenia de ocasião sua vida tomou um rumo cinematográfico desde que conheceu o rapaz de aparência peculiar e carisma ímpar. Mas estava muito preocupada com os rumos de seu projeto de país independente. Julgava que o grupo estava carente de líderes e sua ausência retardaria o que tinha em mente: referendo popular, eleições de membros em níveis local e regionais e através da pressão popular a ampliação da atual “comunidade autônoma” para Estado independente. Via seu sonho cada vez mais distante.
Marília não sabia mais onde procurar. De repartições públicas a lojas de departamentos rodou a capital espanhola em busca de ambos, sabendo que não poderia desmascara-los, precisava da discrição de um detetive e da ousadia de um desbravador.
Cansada resolveu dar-se uma folga. Rever a cidade tão citada pelo pai e que não visitava há 15 anos. Plaza Mayor, Palácio das Cibeles, Museu do Prado e...Palácio Real. Lembrou-se do orgulho de Dom Rubens quando referia-se ao local, fruto de um jantar promovido pelo Rei Juan Carlos aos embaixadores da Espanha pelo mundo, cuja foto exibia em sua sala como um troféu por anos de dedicação 'a pátria mãe.
Também conhecido como Palácio do Oriente, Marília prendeu a respiração no corredor principal da ala leste quando se deparou com um guia turístico falando pacientemente para um grupo croata sobre a construção do prédio magnânimo de 1738. Percorreu a distância de 30 metros que os separavam com o ímpeto de um Usain Bolt e não se conteve: agarrou e beijou Tiago com força tamanha que os derrubou ao chão levando os turistas aos aplausos entusiasmados. Tiago, num misto de felicidade e desespero só conseguiu dizer:
-As câmeras de segurança Marília...
Tarde demais. Guardas reais imediatamente os levaram ao chefe da segurança para averiguar o distúrbio, impensável numa residência oficial da realeza.