Ainda na névoa da fumaça e dos escombros diante do tiroteio, Tiago consegue ligar para o resgate. Seus conhecimentos de primeiro socorros adquiridos quando era um escoteiro não serviriam neste caso com Gechina imóvel e Marília sangrando muito. Em inacreditáveis 4 minutos paramédicos estavam no local realizando RCP na senhora enquanto outros retiravam a advogada em direção 'a ambulância.
Com ambas na UTI do Hospital Gregorio Marañón, restou a Tiago procurar o culpado pelo atentado: Dom Rubens. A certeza da autoria ele tinha, restava encontrá-lo. O jovem que tinha na música sua grande referência de vida cantarolava “Faroeste Caboclo” sem parar. Tal qual João de Santo Cristo via-se numa jornada sem volta, mas determinada.
E assim seguindo sua intuição “cabocla” saiu 'a caça de seu sogro. Sem saber o porque foi direto ao “Congreso de los Diputados”. Desarmado e perigoso passou sem problemas pelo sistema de segurança e rumou para a galeria; por um momento desfrutou da imponência do local com seus arcos, sua decoração austera e a presença de poucos congressistas naquela sexta-feira primaveril. E tal qual sua intuição dissera lá estava ele. Tinha informações do ETA que a relação entre o diplomata e políticos corruptos era a base de sua atuação e influência no país de origem. Imponente em sua arrogância, conversava alegremente com o deputado Pablo Zalba Bidegain, curiosamente um basco de Navarra e com acusações graves de corrupção no parlamento europeu.
Tiago sabia que tinha que ser cirúrgico em sua ação. Já que não teria nenhuma Winchester 22 'a disposição planejou seguir seu alvo até um local menos chamativo. Mas mudou de ideia ao entender que seu ato deveria ser visto pelo maior número de pessoas possíveis inclusive por Marília e Gechina. E o sistema de câmeras do congresso seria perfeito para esse fim.
Assim, “follada por el culo” se atracou com mais um guarda, dessa vez um policial militar. Naquele microssegundo em que pensamos “o que eu estou fazendo aqui” conseguiu rir de si mesmo e da situação em que sua vida se tornara, atacando dois seguranças em menos de 30 dias!
Com incrível facilidade tomou-lhe a arma e partiu em direção a Dom Rubens que naquele momento já rumava em direção 'a saída. Num corredor lateral, vazio e frio, o fez lembrar novamente do duelo contra o Jeremias na Ceilândia, em frente ao lote 14.
-DOM RUBENS!! Eu sou homem, coisa que você não é e não atiro pelas costas não!
O velho espanhol virou-se sem entender “una puta mierda” sobre o que era dito mas ao ver Tiago sua expressão de incredulidade mudou num misto de tensão e prazer típica dos psicopatas.
-Muito bem jovem salvador! Veio se vingar do ocorrido com aquelas vagabundas? Pode fazer o seu serviço pois o meu já foi feito, e muito bem feito. Tenho notícias que a vaca da Dora já morreu e a outra vai pelo mesmo caminho!
Tiago atirou e chorou ao mesmo tempo. A cada disparo uma lágrima e foram 5. Cinco lágrimas que secaram antes dele cair no chão imobilizado pelos demais policiais do congresso.
Rubens agonizava no solo acarpetado de sua terra natal e imagens nebulosas sobrevoavam sua mente enquanto sua volemia era consumida em segundos pelos tiros certeiros que recebera. A voz de Marília criança dizendo “papi, papi” e o rosto da sua Dora com aquele olhar que nunca esqueceria foram suas últimas lembranças antes do fim. Lembranças que foram suficientes para seu arrependimento e amargor eternos.
Tiago sabia de seu erro. Mas só se importava em confirmar a informação da morte de Marília; sobre Gechina não duvidava mas Marília, não era possível...
Na sede da polícia federal, preso, conseguiu a confirmação da morte da senhora basca que tanto lutou pela independência de sua região. E, resignado, soube que sua amada estava fora de perigo ainda que tivesse sofrido uma extensa cirurgia abdominal. Cumpriria sua pena por assassinato, talvez abrandada pela situação sui generis em que ocorreu, talvez agravada pela sua ligação com o ETA mas poderia enfim viver em paz ao lado de Marília. Algum dia.
FIM