Capítulo 13- Dormindo com o Inimigo

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   Rubens nem sempre foi um homem desalmado. Considerado rude porém leal, via no casamento com Maria sua válvula de escape dos problemas da vida cotidiana. Porém, com a morte prematura de sua esposa e a responsabilidade de criar Marília sozinho, tornou-se frio, necessariamente gélido, obrigatoriamente avesso 'as emoções.

   Até conhecer Eleadora. Homenageada pelo consulado espanhol após obter o título mais alto como docente em sua universidade com apenas 40 anos, o cônsul viu-se em uma situação que jamais vivera antes, nem com Maria, tampouco com seus romances juvenis. Amor 'a primeira vista, fixação, desejo, admiração, todos os sentimentos que um homem pode sentir ele usufruiu naquela noite. Dona de um espanhol impecável porém com um sotaque que o incomodava um pouco, Eleadora prontamente respondeu aos galanteios daquele senhor distinto e belo. Desde sua chegada ao Brasil, anos antes, pouco se envolvera emocionalmente; fazia de suas sessões de terapia e de suas aulas uma espécie de sublimação de sentimentos e julgava-se feliz assim. Até conhecer Dom Rubens.

   Dora tinha a certeza que estava se envolvendo com o homem errado. Sabia de suas convicções político-ideológicas, muito questionadas no meio acadêmico sobretudo naqueles anos de chumbo. Mas, sábia que era, nunca lutaria contra sensações tão arrasadoras. E deixou-se levar pela beleza do amor.

   Foram extremamente felizes. Viviam 'as escondidas pois Dom Rubens execrava a ideia de assumir um relacionamento para a sociedade e sobretudo para sua filha,  ainda nova e traumatizada pela perda da mãe. Mas para Dora isso era o que menos importava afinal sua vida toda era uma mentira, um jogo, um esconderijo de si mesma.

   Politicamente em níveis opostos nem discutiam sobre o assunto. Se entendiam demasiadamente bem para perder tempo com isso. Por 2 anos viveram intensamente o amor que a vida lhes entregou. Até que o inusitado aconteceu. Decidiram viajar para Amazonas, passar uns dias longe da rotina desgastante de ambos; só não contavam com a malária, praga muito comum naquela região 'a época. Dora fora atingida em cheio por esse mal. Hospitalizada e com Rubens sempre ao seu lado, foi durante o delírio febril típico da “terçã” que veio a revelação: ela sussurrava palavras, frases inteiras em basco, com uma clareza que penetrava no peito do seu amado como uma faca certeira. Ele, tendo em vista suas obrigações profissionais, dominava o idioma relativamente bem e chocado, descobriu-se dormindo com a inimiga. Eleadora era nada menos que Gechina Perugorria, talvez a mais procurada terrorista espanhola e tida como desaparecida desde a década de 60. Imóvel, estático, estarrecido, sentiu pela primeira vez na vida um sentimento de fraqueza, impotência e torpor pela decisão que deveria tomar naquele momento. Chamar o serviço secreto espanhol ou desaparecer da vida de seu verdadeiro amor?

   Dom Rubens, espanhol nato, não obstante seu sentimento nacionalista único, decidiu pelo óbvio. Abandonou aquela mulher ao relento no hospital em Manaus ainda delirando e não olhou mais para trás.  Nascia um novo homem que tinha consciência que falhara pessoal e profissionalmente na vida. Dali pra frente nada mais importaria. Nem Marília, Dora ou sua pátria.

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