Capítulo XXI

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Vi meu próprio corpo morto ao chão. A pele de meu rosto estava rasgada, como se um animal tivesse dilacerado a minha pele lentamente, e o meu pescoço estava solto do resto do corpo. O colar estava no espaço entre eles, boiando em cima do sangue.

Gritei, novamente, sem conseguir ouvir a minha voz, assim como acontecia todas as noites. Eu sabia que era um pesadelo. Sabia que não era real, e tentei, assim, sair de todas as formas daquele limbo. Eu estava presa. Presa na caverna que não possuía saída ou luz. A única visão que eu possuía era do meu corpo sem vida ao chão.

A risada da feiticeira ecoava pela caverna. Senti uma lágrima descer. A agonia me sufocava. A escuridão me sufocava. Tudo me sufocava.
Senti minhas pernas cederem enquanto eu caía ao chão, sabendo que era inútil gritar.

Eu tinha que permanecer ali. Vendo o meu próprio corpo ensanguentado em minha frente até acordar. Fechar os olhos não tornava tudo mais fácil. O cheiro pútrido fazia meu estômago se revirar.

O salto dela apareceu, vermelho como carmesim, se misturando à cor do sangue que formava a poça do chão. Quando ergui o olhar para encará-la, meu pulmão se encheu de ar.
Acordei repleta de suor na cama. Afastei os lençóis e apoiei meus braços aos joelhos, enfiando as mãos em meu cabelo. Eu precisava sair desse tormento.

Era um aviso. No fundo, eu sabia que era.
Desde que Andy havia tocado o colar, os pesadelos com a minha própria morte começaram. Todos eram iguais, e em todos eles eu acordava antes de ver o rosto da feiticeira.
Ela sabia.

Estremeci. Tentei pensar em qualquer outra coisa que não fosse contemplar o meu próprio corpo ao chão, e não me repreendi quando a primeira imagem que se formou em minha memória foi a de Christian sorrindo enquanto segurava um livro. Nós havíamos passado muito mais tempo juntos do que eu conseguia admitir e até acreditar.

A primeira manhã junto ao príncipe na biblioteca havia se estendido a todas as manhãs daquela mesma semana, alcançando muito além do trabalho burocrático que envolvia a economia de Várzea.

Ele me mostrou, a cada dia, cada prateleira de livros, parecendo empolgado ao perceber que havia encontrado uma paixão comum a nós dois.

Saí da biblioteca com, pelo menos, cinco exemplares de histórias de aventura e, para completar, consegui pegar o que Andy havia conseguido alegando que também gostava de expandir meus conhecimentos até as línguas mortas. Ele fez questão de enfatizar que eu poderia pegar qualquer um deles, no momento e hora que quisesse.

Peguei um dos livros que havia guardado na cômoda de madeira ao lado da cama e o abri, percebendo no mesmo instante que não seria uma boa ideia. Se eu acendesse uma vela, imediatamente os olhos de Tiana se abririam e eu teria que passar um bom tempo da minha vida ouvindo a repreensão que ganharia dela.

Eu teria que ler durante o dia.

Ainda com a garganta fechada pelo pesadelo, sabia que não conseguiria dormir. Enxuguei o suor que descia em minha testa, coloquei um vestido por cima da camisola e calcei as sandálias, saindo com cuidado do quarto. Minha cabeça começou a doer.

Andei até a cozinha acenando para os guardas que haviam no meio do caminho e tomei um copo de água, que desceu como lâmina em minha garganta.

Olhei ao redor, esperando, de forma inconsciente, que ele aparecesse. Não eram esses os momentos em que ele parecia estar em qualquer local do castelo? Me seguindo quando eu não queria e fazendo questão de dizer como era coincidência que nos encontrássemos durante as noites.

Me senti estúpida. Ele certamente estava dormindo, assim como todos no palácio. Andei até o jardim ao lado de fora, contemplando uma lua cheia que se preparava para um eclipse.

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