Olhos tristes, jazz e atitude.
O "quarto", se é que fosse possível chamar assim, não era tão ruim. Não muito grande, mas suficientemente espaçoso para caber a cama de solteiro do lado da cômoda com um abajur, uma mesa perto da janela, o guarda-roupa marrom que contrastava com as paredes cinzas e uma porta que dava para o banheiro.
Talvez fosse estranho... eu sempre fui meticulosa e desconfiada, parecia uma coisa mais de instinto. Eu nunca achei que algum deles fosse me trair, mas se isso acontecesse, eu nunca iria me perdoar. Então, sim, eu revirei o quarto inteiro na busca de qualquer coisa anormal.
Melhor remediar do que se arrepender.
Eu abri a porta dos armários e procurei por escutas, fui ao banheiro e conferi se o espelho não era falso, o ralo do chuveiro ia realmente para um cano, desvirar e tirar todos os lençóis da cama. Mas nada. Nada estranho.
Com a contestação final, eu me encostando na parede, cansada com a respiração pesada por levantar peso, mas mesmo assim aliviada.Até que três batidas são deixadas na minha porta.
—— Ice, você tá aí?
Eu ainda não sabia diferenciar as vozes deles. Droga.
—— Ah... Sim! Eu tô aqui - digo tentando arrumar as coisas jogadas no chão para não levantar suspeitas - Só um minuto!
Eu era horrivelmente tosca mentindo, mas fiz de tudo para arrumar miseravelmente as coisas de forma veloz como a velocidade da luz.
Engolindo seco, eu ando em direção à porta, dando de cara com Soap.—— Wow, tudo bem aí? - ele diz vendo que eu respirava alto.
—— Tudo certo - digo apagando a luz do meu quarto e fechando a porta atrás de mim para falar com ele - Precisa de alguma coisa? - ele ri.
—— Não, não, Tenente. Essa é a hora da nossa janta... pensei em passar aqui antes para irmos juntos.
—— Droga, eu perdi a noção do tempo - eu olhava desesperada para o relógio no meu pulso.
—— Fica tranquila, depois você se acostuma - ele deixa um sorriso - Vem, deixa eu te mostrar aonde é.
Seguindo Soap com suas conversas intermináveis foi até que bom, ele era uma boa pessoa. Sua mentalidade podia ser questionável, mas eram essas as coisas que fazem uma equipe ficar unida.
Não demorou muito para chegarmos lá, mesmo com as inúmeras piadas do Sargento. De longe, dava para notar todos sentados, felizes por estarem juntos.
—— Tenente! Pensamos que você não iria vir - dessa vez foi Gaz que disse.
—— Tive um contratempo. E não fui informada que temos refeições juntos - eu digo a última parte olhando para Ghost, que já me encarava antes.
—— Você pensou que não ia comer? - ele responde e apenas me sento na sua frente, vendo que os outros nos encaravam.
—— Não precisa entrar em nenhum regime maluco, Ice. Você já fica muito bem assim - surgiu a voz de Alejandro, como uma salvação para não responder Ghost.
Eu sorri para o Coronel.
Pois é, aquilo tinha sido um flerte descarado ou um elogio amigo, e eu não ia acabar com a onda deles justo quando estamos nos conhecendo. Tinha sido uma surpresa, uma das boas.
—— Mais respeito pela sua Tenente, Alejandro - o mascarado na minha frente diz, fazendo o mesmo pedir desculpas.
—— Ice, é verdade das coisas que falam de você por aqui? - Gaz tenta desviar o assunto e me faz desvencilhar os olhos e minha mente do que Ghost acaba de me falar.
—- Depende ao que se refere, Sargento. Me pergunte o que quiser, essa será uma das suas únicas chances.
—- É verdade que você queimou aquele cara na França? Ou da vez que você se enterrou viva para prender o jihadista? - o interesse parece contagiar a mesa e eu rio um pouco envergonhada.
Era estranho saber da minha reputação dentro das paredes desse lugar.
—— Tudo são histórias... Sim, isso foi verdade, mas muitas coisas que falam sobre mim não condizem a algo que eu realmente faria.
—— Como deixar seu último Capitão para morrer? - um voz parte atrás de mim.
Esse era o tal do Graves, Shadow Company... não muito estranho para mim.
Bom, deixa eu explicar... O ano era 2008, e eu havia sido recrutada em uma missão com a equipe dele. Mesmo que seja surpreendente, ele era um cara legal e podia até ser divertido. Nós nos aproximamos com o tempo, eu era nova, não tinha muitos amigos ainda e as coisas foram embaralhadas demais para ele.
Ele havia me chamado para sair, mas eu o rejeitei, porque não era isso que eu queria. Vamos dizer que ele não aceitou a situação numa boa e depois de me falar que eu "mando sinais confusos", o cara virou o próprio diabo na minha vida. Pois é... ele quis fazer de tudo para foder as coisas e era por isso que eu não frequentava a base diariamente, para não ver ele mais do que algumas vezes no ano.
Surpresa pela pergunta, eu viro minha cabeça em sua direção e me levanto da mesa.
—— O que disse, Comandante?
—— Você não se arrepende de ter deixado seu Capitão pra morrer? - ele mesmo se interrompe - Óbvio que não, você não passa de uma assassina medíocre.
Meu semblante se enfurece. Eu gostaria profundamente de acabar com a cara feia dele com apenas um só soco, porém essa era minha primeira noite aqui. Não posso deixar meu lado emocional aparecer nessa situação.
Me aproximando dele, eu sinto duas mãos serem colocadas no meu ombro e um corpo intervir minha visão.
—— Não fode, Graves - era Ghost, apontando o dedo na cara do americano.
—— Se acalma, Ice - a voz de Gaz ecoa no meu ouvido - Ele não sabe o que tá falando.
Abruptamente eu retiro as mãos dele de mim e ultrapasso Ghost para olhar nos olhos de Graves.
—— Faça isso de novo quando nenhum deles estiver por perto. Eu te desafio - eu sussurro e logo depois vou embora recebendo olhares preocupados dos sargentos.
Os corredores da volta pareciam infinitos e chegar até o quarto parecia um caminho sem saída. E assim foi, fechando a porta com força, eu encosto o peso do meu corpo contra a madeira gelada e deslizo até o chão. Eu desmoronei. Não sabia como controlar o que sentia. Bom, nunca soube.
Ross era na verdade como alguém da minha família. Ele foi quem me descobriu no exército. Ele foi a razão de eu ser quem eu sou. Tudo graças a ele. Ele me protegeu de tudo que aconteceu dessa última vez.
Ele não estava mais aqui, mas para continuar esse caminho, parecia as coisas que eu sentia vinham em dobro. Eu não sabia o que sentir e aquilo foi sinceramente a primeira vez que eu fui capaz de me sentir humana em muito tempo. Eu não sabia processar. Eu não sei como continuar sem ele. Eu me sinto tão perdida.Como eu ia seguir sem fazer ideia do que fazer depois?
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𝐔𝐥𝐭𝐫𝐚𝐯𝐢𝐨𝐥𝐞𝐧𝐜𝐞, 𝗌𝗂𝗆𝗈𝗇 𝗀𝗁𝗈𝗌𝗍 𝗋𝗂𝗅𝖾𝗒.
FanfictionDois paradoxos que fazem sentido quando colocados juntos. Elizabeth Rockwell, uma mulher desafiadora, calculista e fria como um gelo. Afinal, seu próprio codinome revela isso. "Ice" não foi feita para derreter e muito menos fracassar... Bom, era iss...