nós iremos fazer o quê?

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Acendo um cigarro, porque agora não tenho mais como me segurar. Estamos andando em silêncio na rua, depois de comer e pagar a refeição. Só saímos e estamos em silêncio. Nem sei que caminhos estamos percorrendo.

— Não vai ter conclusão? — questiono, mesmo que não queira saber a resposta.

— Do quê?

— Da conversa. Nós iremos fazer o quê?

— Aproveitar o presente — Josh ajeita a tipóia no ombro. — Você não quer mais ficar comigo?

— Não, não é isso — solto um suspiro. — Só queria mesmo saber o que iríamos fazer em relação a isso.

— Que tal não fazer nada?

— Não é tão prudente.

— Estávamos bem sem fazer nada. E ainda estamos... Não é?

Engulo em seco.

— Então... vamos pôr o assunto na estante?

— Sim. Outro dia, quando estivermos limpando, a gente vê no que vai fazer — ele ergue o rosto e se vira na minha direção.

Balanço a cabeça positivamente, mas sem ter certeza sobre nada.

— Quer... um sorvete? — minha mudança de assunto é puro nervosismo.

Eu não sei, eu me sinto estranho desde que ele falou aquilo no restaurante. Sobre... não querer isso comigo. Porque... e se de repente ele querer isso com outra pessoa? E se um dia ele conhecer alguém, mesmo que seja um amigo, e gostar dessa pessoa mais do que gosta de mim? E se de repente ele ficar com essa pessoa e eu receber a notícia na televisão de que eles vão se casar? E eu vou lembrar de quão bom tinha sido estar com Josh, que foi incrível, mas o que ele estava tendo com aquela pessoa não era o que ele queria ter comigo. E talvez eu venha me casar com outra pessoa, mas não vai ser a mesma coisa. Não vai ser o mesmo sorriso, o mesmo cabelo, o mesmo cheiro ou o mesmo o jeitinho especial de concordar e apontar para uma sorveteria. Não vai ser a mesma coisa. Porque se ele está feliz comigo — poxa, eu sei que sim —, agora percebo que talvez ele pode ser bem mais feliz por aí afora. E isso definitivamente me machuca.

Josh pede duas bolas. Eu peço três. Saímos juntos coladinhos, mas não conversamos nada em especial. Eu limpo seu rosto quando ele se suja, afinal o Josh está segurando o sorvete com apenas uma mão e precisa ficar lambendo. Eu rio disso, mas internamente estou me chicoteando: é, Noah, não era pra ter dito que estava doente a psicóloga... Eu simplesmente acho que irei surtar.

— Por que está quieto? — Josh me pergunta quando sentamos num banquinho de praça. Seus lábios estão sujos de sorvete de chocolate, então eu limpo com guardanapo.

— Por nada, só estou olhando ao redor — mentir virou minha nova profissão.

— Hm. Inclusive, quem vai ficar com qual blusa?

— Quê?

— O par de camisas que veio na cesta, sabe? Eu gostei — ele sorri para mim. — Uma tinha um desenhosinho aqui no lado esquerdo com uma van, e a outra tinha um galo no lado direito. Queria saber quem vai ficar com qual.

— Eu fico com o galo e você com a van.

Josh arqueia o cenho dramaticamente.

— Por quê?

— Porque sendo você a van e eu o galo, e que o galo está dentro da van, eu acho que seria justo.

— Não. Por que seria justo? — ele começa a se alterar, mas sei que é pura brincadeira. — Tá... Vamos recapitular... Cock in an van. Inclusive, esse “an” está errado.

— O inglês é meu.

Josh gargalha e eu me sinto mais leve com sua risada. Tá tudo bem mesmo?

— Tá, tá... — revira os olhos divertidamente. — Você falou cock in an van daquela vez. Ok... Galo numa van. E cock tem o duplo sentido em inglês... — enquanto ele faz o brainstorming linguístico, fica olhando para pontos aleatórios e acho fofo o modo com que viaja nas ideias mais bestas vindas de mim. — Então quem é responsável por ficar com o cock está numa posição ativa, uma vez que ele está dentro da van.

— É uma metáfora?

— É uma metáfora.

— Então eu falei certo. Quero ficar com o galo.

— Você não é o ativo — ele me olha com cara de quem está com pena de mim.

— Quê? Desde quando?

— Você vai ficar com a van.

— Não, a van é o passivo, já que o galo tá dentro dela.

— Agora que você surgiu com isso me veio algo na mente... — mesmo com o braço engessado, ele me dá uma leve batida no braço para chamar minha atenção. — Aonde a van está levando o galo?

— Hongkong.

Encaramos um ao outro seriamente por cerca de três segundos. Nos seguintes, sim, nós caímos na gargalhada e eu juro que meu rosto deve estar vermelho por ser um assunto um tanto... malicioso, se assim posso dizer.

— Shh, Noah, para de falar essas coisa em público! — ele apoia rapidamente a cabeça no meu ombro, mas depois dá uma lambida no sorvete, que está derretendo e deslizando pelos seus dedos.

— Você que perguntou — digo baixinho.

Tentamos nos recompor do riso, mas a verdade é que demora, porque o Josh acaba tossindo e sua tosse me faz rir mais ainda. Eu não sei porque a gente fica rindo dessas coisas, mas nós rimos. É tão estúpido e genuíno ao mesmo tempo.

— Seu sorvete está derretendo — ele me alerta.

Então eu tomo o resto do meu sorvete antes que fique derretendo também. Eu acabo primeiro que Josh e como a casquinha olhando a rua e o fluxo das pessoas. Deito a cabeça no ombro esquerdo de Josh e ficamos assim. Vez ou outra limpo seu nariz, bochecha, queixo ou lábios. Só que nesse finalzinho de tarde, só fazemos isso mesmo. Acho que é bom.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora