nós podemos ficar separados

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Quando vejo minha mãe, de mala e tudo, na frente da minha porta, a única coisa que se passa na minha cabeça é me ajoelhar aos prantos nos pés dela e dizer “mom what the fuck are you doing here when my entire life is falling into pieces hehehe” com um sorriso de nervoso no rosto. Apenas o sorriso sai. Eu não tenho coragem de falar fuck com minha mãe. Alguns parentes, sim. Mas com ela, não.

— Mãe? O que a senhora está fazendo aqui? — sim, ainda quero me jogar nos pés dela quando saio do carro e travo as portas. — Por que veio assim do nada?

— Eu não vim do nada. Eu te avisei já tem um tempo, esqueceu?

Ah, lembrei.

— Ah, é mesmo... — passo por ela e digito a senha para liberar a porta. Assim que abre, eu abro espaço para que ela entre primeiro.

Como esperado, minha mãe larga a mala no mesmo lugar em que estava, implicitamente dizendo que é para eu levar para dentro. Solto um suspiro cansado e puxo a mala para dentro de casa. Assim que fecho a porta, já a vejo sentada no sofá.

— Seu pai estava pedindo seu número de telefone... — vai contando.

— Uau. Nem meu número ele tem. Ótimo pai — afasto a franja do rosto e olho ao redor para ver se tem alguma coisa que eu precise mudar de lugar ou esconder. Minha mãe gosta muito de me criticar.

— Ele disse que quer ficar próximo de vocês. Eu também quero, então estou aqui.

— Engraçado vocês quererem ser próximos de mim após o testamento do vovô — solto uma risadinha irônica. Claro que eu sei as intenções de todo mundo. Eu fui criado nessa família. Eu sou um deles. — Estou amando.

Ela fica um tempo olhando para mim. Foi pega no pulo.

— Claro que não, Josh! — abana as mãos. Nesse movimento, vejo que está com novos anéis e parecem ser extremamente caros. Claro que ela está aqui para me conquistar e garantir que daqui a sei lá quantos anos ela consiga manter esse estilo de vida luxuoso dela. — Nem todos tem esse tipo de intenção.

— Uhum. Claro — abro um sorriso um tanto mordaz. — Bem comum também a senhora estar do lado dele, ao invés de estar falando mal.

— Eu ainda falo mal do seu pai. Só estou dizendo isso porque um dia desses ele apareceu lá te procurando e eu disse que você não voltou desde que veio com seu namorado... Como é mesmo o nome dele?

— Noah — engulo em seco. Meu sorriso evapora.

— Isso mesmo! — ela dá uma batidinha na própria coxa. — De todo modo, seu pai te procurou. Acho que ele está pelo menos um pouco interessado em ficar próximo de você e sua irmã. Ainda mais agora que você está cada vez mais famoso.

Reviro os olhos. Nem sou assim tão famoso.

— Eu vi uma foto sua com um gesso — prossegue. — O que aconteceu?

— Eu caí da escada sobre meu próprio braço. Uma estupidez — solto um suspiro, porque só lembro do Noah bravo comigo e dizendo que não consegue entender por que eu agi de uma maneira tão irresponsável. — Quer... comer ou beber alguma coisa?

— Claro que sim! Te coloquei numa escola na França para isso! Cozinhar para sua mãe! — faz gesto para que eu me apresse.

Pelo menos consegui mudar de assunto.

Praticamente corro para a cozinha e prontamente lavo as mãos. Dou uma olhada na dispensa e na geladeira para saber o que vou preparar. Se eu pudesse ir ao mercado comprar camarão ou shoyu, isso seria muito útil. Não obstante, sou esperto o suficiente para compreender que não irá prestar se minha mãe ficar aqui sem supervisão.

— Você ainda pratica piano, Josh? — pergunta-me lá da sala.

— Sim — quando estou na merda, quero completar.

— Toca para mim depois?

— Pode ser — tiro da geladeira a conserva de acelga apimentada para fazer kimchi.

Isso faz sentido. Eu estou na merda.

— Ah, já que estou aqui... Por que não chama o Noah? A gente mal se conheceu quando estávamos no Canadá.

Porra.

— Em falar nisso... — solto um pigarro enquanto destampo a vasilha. — Quanto tempo a senhora planeja ficar?

— Alguns dias. Por quê? É um problema?

— Mãe, eu trabalho... Fico o dia ocupado. Não vou poder estar aqui te ajudando.

— Nem precisa! Nós podemos ficar separados, sabia? Cada um cuida das suas coisas.

E é aí mesmo que eu me preocupo.

— Ah, claro... — resmungo para mim mesmo.

Volto para geladeira. Acho que vou preparar bulgogi também. Minha mãe pode gostar.

— Você sabia? — do nada, ela aparece na porta da cozinha. — Sabe seu primo?

— Qual primo? — pisco os olhos para ter paciência e me motivar a parar de demonstrar desinteresse.

Eu acho incrível a capacidade da minha mãe em fofocar sobre a vida de todo mundo. Enquanto preparo tudo — inclusive aumento nosso cardápio — ela vai me contando sobre como meu primo está se ascendendo no mercado teatral e cinematográfico ao estrelar um drama distribuído na web. Eu nada digo, só escuto. E ela fica fofocando até mesmo quando estamos comendo — entre um elogio e outro, ela vai contando demais sobre o que tem acontecido com a vida da minha tia.

No final da sobremesa eu digo que estou cansado e que vou lhe arranjar um quarto. Deixo-a num dos dois quartos daqui de baixo, porque quero mantê-la longe do meu. E, já aqui no meu quarto, eu me jogo na cama de costas e fico olhando para o teto tentando arquitetar como é que vou lidar com minha mãe aqui, com minha crise de relacionamento e a possibilidade disso tudo se juntar caso minha mãe insista demais em ver o Noah. Acho que tudo vai explodir na minha cabeça e eu vou morrer em breve.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora