nós precisamos de horas extracurriculares

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Eu não posso encarar qualquer coisa. É erro achar que sempre tudo vai dar certo, porque não vai. Eu sempre achei que Josh era meu tudo, meu único, mas eu cresci um pouco em relação a isso. Mesmo assim, doeu ver aquelas fotos, doeu tomar a sopa em silêncio, porque eu já não sabia mais o que fazer. Doeu ser eu ali, na dúvida, no apego, na calúnia escandalosa que é viver sob o regimento dos meus pensamentos cruéis. Falaram que eu devo conversar com Josh. Mas vão à merda com essa droga de conversa. Isso não está me levando a lugar algum. Então, pra não sair do costume, vou ficar quietinho e sofrer só. Minha essência ainda é a mesma. Acho que sou inimigo de mim mesmo desde o meu nascimento.

Minha psicóloga me disse recentemente que percebe que estou melhorando, que parei de repetir a palavra “medo”. Eu disse: bem, toda vez que sinto medo de algo, eu penso que a pior coisa que irá acontecer é passar vergonha. E se eu falhar, acho que está tudo bem, bola pra frente. Eu achei isso maduro de início, eu não quis deixar claro que significa que estou desistindo das coisas. Eu só não estou tão apegado a elas ao ponto de sofrer horrores por não conseguir ou temer isso ao ponto de nem tentar. Acho que só quero ficar bêbado de um jeito que eu esqueça os impostos e que o mundo é um lugar sem sentido e cruel. Eu deveria ficar mais feliz pelas minhas conquistas, mas me vejo um tanto apático, sem reação. Conquistar determinada coisa é bom, mas... Será mesmo? Conquistei minha independência financeira, mas agora sou eu por eu mesmo. Consegui ser meu próprio chefe, mas agora qualquer errinho meu pode colocar tudo por água abaixo. Consegui o Josh, mas... Porra, nem sei o que falar quanto a isso.

Duas semanas e meia se passaram desde o ocorrido. Passou rápido, porque não mandamos mais que uma mensagem durante o dia e eu confesso que toda essa história me deixou desmotivado. Eu vi entrevistas sobre o que aconteceu, querendo saber se estavam tendo alguma coisa ou não durante a festa... É difícil dizer. O Josh literalmente parece ter química com todo mundo com quem interage. Pelo menos a maioria das pessoas que são da nossa faixa etária. A questão é que não dá pra saber se é amizade ou algo mais. Ou ambos, como foi o meu caso.

Também, não conversamos o bastante para ele parecer arrependido. Pelo menos ele me chamou algumas vezes, perguntando se comi e se eu achava sua calça de veludo laranja bonita. A resposta foi não e sim, respectivamente. E eu acho que as coisas ficaram um tanto sem graça, porque ele já não me procura tanto e, segundo ele mesmo — e Va Te Fouder, quando perguntei —, está muito ocupado ficando até tarde no restaurante. Mesmo com o braço engessado, ele voltou a gravar e a fazer pequenas coisas na cozinha, embora não tanto, porque se cortou sem querer quando tentou algo. Eu soube também que ele está conseguindo esticar o braço, já não toma mais remédio forte — apenas genéricos quando necessário — e que já pode dar murros se quiser. Acho que esse último foi para dizer que está mexendo muito bem os dedos e seu desempenho está bom, porque acho meio difícil ele se arriscar assim. De todo modo, eu consegui essas informações com Va Te Fouder, porque o Josh não me contou muito. Sinto-me estranho falando com ele.

Ontem meu coração acelerou quando estava na casa de Bailey e passou propaganda do seu programa. Ele estava sério, bonito, usava uma boina bege e um colete de tricô marrom bem escuro. Usava lip tint também, daquela corzinha vermelha que me faz querer arrancar com um beijo na boca. Eu quase sorri, mas um gelo tomou conta do meu corpo. Eu gosto dele. Eu amo ele. Amo mesmo. Mas como é isso? Como é o sentir amor e desejo de fugir ao mesmo tempo? Bailey disse que estou sendo perseguido por esses pensamentos, porque é um assunto não resolvido, e assuntos não resolvidos são como pedra no sapato. Eu disse: uma hora você se acostuma com a pedra e ela para de incomodar. Ele me disse: mas até lá, ela vai machucar seu pé e ele nunca mais será o mesmo. Eu calei e boca e acendi um cigarro. Foi o melhor a se fazer.

Agora estou em casa e não tenho o que fazer. Já é sexta à noite. Eu poderia sair com os meninos, mas estou muito cansado. Preciso ler um livro inteiro até a próxima semana, mas não saí da página 9. Acho que nem me importo com isso, sabe? Depois que você descobre que tem como se formar sem de fato estudar, você duvida de todos os profissionais do mundo, inclusive você mesmo. Acho que eu posso ser isso um dia, mas não tenho certeza. Deixar de ler um livro não me fará um péssimo profissional. Afinal, é só um. E eu ando cansado demais para isso, só quero dar uma deitada, descansar os olhos.

crises et chocolat  ✰  Nosh  ❖  Now UnitedOnde histórias criam vida. Descubra agora