2. Furacão

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 O alcoolismo é uma caverna gelada e deprimente, mas você não sente vontade de sair dali, pois se sente um pouco que seguro. Seguro do mundo covarde e ingrato que te cerca, que te puxa pra baixo ou te dá um soco no estômago. O que me mantinha nesse mundo era a vontade de perder a noção da dor que sentia com a partida da pessoa que mais amei na vida, de esquecer dos conflitos internos e a briga que tive com meu pai, horas antes dele morrer em um acidente de carro. De tentar me afastar dos acontecimentos que acabaram com a carreira que eu tanto me dedicava e amava.

 Comecei a beber e fumar com meus 16 anos e nunca me orgulhei disso. Foi numa festa de faculdade, que eu e uma amiga entramos com identidades falsas. A ideia de comprar bebidas partiu dela, que nem gostou tanto assim e só bebia pra justificar as investidas que dava em mim. Aos 23 anos, depois da faculdade, ela parou de beber pra focar na carreira e eu, completamente rendida nesse mundo, continuei até 3 anos atrás.

 Quem era essa "amiga"? A própria, Simone Tebet!

 Nós nos conhecemos desde crianças, pois nossos pais eram políticos e vivíamos uma na casa da outra. Fizemos escola juntas e cursamos faculdade juntas também. E como nos apaixonamos? Não sei, mas começamos a ficar com mais ou menos 18 anos, completamente escondidas por 4 anos, até seu pai descobrir e a levar para outra cidade.

 Eu nunca soube lidar com isso, então me afogava no álcool todos os dias, na tentativa frustrante de esquecê-la. Isso nunca aconteceu, resultando problemas na minha vida pessoal e também profissional. Eu nunca deixei a bebida atrapalhar meu currículo impecável e muito menos meu trabalho excepcional. Eu não, mas a oposição...

 Desde que terminei a faculdade, sempre trabalhei como consultora política, que nada mais é do que analisar e compreender sistemas políticos, seja em uma eleição ou não. No meu caso, era. E de 3 eleições que participei, ganhei 2, incluindo a primeira que participei. A única que perdi foi a passada, por causa do meu maior rival, Carlos César, consultor do candidato que estava perdendo na última semana de eleição. Como eu era bem presente na eleição e me expunha muito, ele vazou fotos minhas bêbada e com uma mulher, originando uma virada de seu candidato em cima do meu, garantido a vitória do mesmo, já que nosso país era extremamente conservador.

 Meu chefe, claro, me culpou pela derrota para a mídia, o que eu acho injusto até hoje, porque meu trabalho perfeito fora jogado no lixo por causa de minha intimidade.

 Depois de tentar organizar as coisas no Brasil e assumir uma culpa que não deveria ser minha, juntei minhas tralhas e me mudei para os Estados Unidos.

 Não foi difícil me adaptar em um país novo, minha rotina também era perfeita. Meu único medo eram os fenômenos naturais catastróficos, mas quem diria que um furacão viria do Brasil. Estava lá, parada em minha porta, com um sorriso difícil de resistir.

 - Soraya! – sorriu. – Quanto tempo!

 Meu cérebro não conseguiu processar toda aquela informação, me deixando sem reação e fazendo-me fechar a porta na cara de Simone, que a empurrou com o braço esquerdo, antes de eu completar a ação.

 - Não vai me convidar para entrar? – deu um sorriso sem graça.

 - Simone? É... me desculpe! – puxei o resto da porta, dando um passo para trás, abrindo caminho para a elegante mulher entrar. – Fique à vontade.

 "Deus, ela está aqui!" foi a única coisa que consegui pensar, ainda incrédula.

 - Aceita um café? – perguntei para quebrar o clima.

  - Só tomo chá, querida. – respondeu-me com um sorriso sem graça. – Só quero um copo de água, por gentileza.

 Assenti e fui pegar a água na cozinha, aproveitando para servir-me uma dose de um whisky escocês, que fora de meu pai. Eu raramente bebia, acho que depois do acontecido só bebi umas 3 ou 4 vezes, mas naquela hora foi necessário.

 Voltei para sala e Simone ainda me esperava em pé.

 - Sente-se. – a convidei para juntar-se a mim no sofá. – Você não deveria colocar pessoas para bisbilhotarem a vida alheia, isso é crime. Ainda mais se for um senhor de 77 anos. – dei um gole no whisky.

 - E você não deveria estar tomando álcool, ou deveria? – Simone deu um gole em sua água, soltando um som de deboche.

 - Você nem deveria estar aqui, Tebet. – terminei meu copo de whisky. – Mas está e eu sei o que veio fazer aqui. Já te adianto que a resposta é não!

 - Me conhecendo, você deveria saber que não aceito "não" como resposta, Thronicke. Ou você não me conhece mais?

 Confesso que esse jogo de perguntas e respostas estava me deixando furiosa. Já havia negado mais cedo para o seu Luiz e não estava afim de perder a paciência novamente, ainda mais com a mulher que tirou minha vida do eixo, mesmo que sem querer.

- Ainda bem que não a conheço mais. – dei um sorriso de deboche. – Mas sei o que você causa da vida das pessoas, eu já vivi isso. Um dos motivos do meu "não" é exatamente você!

 - Eu? O que tenho a ver? – se acomodou no sofá.

 - Simone, eu não aceito sua proposta. Não sou mais consultora política, nem trabalho mais nesse meio podre que é a política, ainda mais a brasileira.

 - Odeio quando você me chama de Simone. – revirou os olhos. – Você fazia isso quando ficava brava comigo. – olhou para o lado, meio que reflexiva. – Olha, a proposta não é apenas trabalhar para mim nas eleições. É trabalhar para mim na maior eleição de todos os tempos, a mais importante não só para mim, mas para os brasileiros. Precisamos vencer o fascista!

 - Hm. – foi o que saiu involuntariamente de mim.

 - Então vim aqui te fazer uma pré-proposta. – riu. – Precisamos ir para Miami, depois pegamos um voo para São Paulo, onde te apresentarei o resto da equipe e os projetos que temos. Você fica um mês conosco e se não quiser, prometo te trazer de volta. – deu um sorriso de canto.

 Droga! Eu era completamente apaixonada naquela mulher, mesmo depois de 10 anos sem tocá-la e quase 4 sem vê-la. Não conseguiria nunca dizer "não" de fato para ela.

 - E então? O que me diz? – sorriu de canto, arqueando as sobrancelhas.

 - Trinta dias, Tebet. Nem 29, nem 31.

 - Mais os 4 que passaremos ainda aqui nos Estados Unidos.

 - Okay, fechado. Mas o salário tem que ser três vezes maior que o da eleição anterior e quero um segurança no Brasil, pois quero dirigir. – propus e ela assentiu. – Ah, e faço questão de ficar no seu apartamento de São Paulo, mas sem você.

 - O último não posso prometer, mas o resto sim. – revirei os olhos, mas fiz que sim com a cabeça. – Te espero lá embaixo, Thronicke. No máximo quarenta minutos para arrumar as coisas e descer. Não me faça esperar mais.

 Levantei para abrir a porta para a futura candidata à presidência da República, que passou próxima a mim, chegando seu nariz próximo a meu pescoço, inalando meu cheiro.

 - Continua usando aquele que eu gosto. – sorriu, me deixando sem reação.

Jogada de Mestre - SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora