1. Caminhada

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 Era pouco mais das 4 horas da manhã, quando meu despertador biológico me acionou. Levantei rapidamente, em um espanto, indo direto para o meu banho gelado matinal. Logo após, ainda de roupão, preparei minha vitamina de banana com morango e couve, coloquei minha roupa e tênis de corrida, peguei meu headphone da Beats e dei play na mesma playlist de todas as manhãs, começando com Highway To Well, do AC/DC.

Desde quando me mudei para Nova Iorque e comecei a correr todos os dias no Central Park, meu humor melhorou, os problemas foram esquecidos e a certeza de uma vida nova estava ali. Eu consegui superar os desastres do passado e começar um novo e importante capítulo da minha vida, longe de tudo que me fizera mal.

Correr era um ato de liberdade. Sentir o vento no rosto me dava a sensação de que eu era um pássaro voando sobre o oceano, alcançando lugares nunca antes alcançados. Correr em dias ensolarados ou chuvosos, me enchia de esperança. Estar em contato direto com a natureza transbordava meu coração de alegria. Nada como correr na orla de Copacabana, como eu havia feito poucas vezes no Brasil, mas ainda sim, Central Park era um lugar de calmaria.

Depois que li um artigo que dizia que mudar pequenas coisas na rotina fazia bem, comecei a intercalar a corrida por dois caminhos. Um dia passava pela Bow Bridge e no outro, passava pelo The Mall, que curiosamente, é o único caminho reto do parque.

O Central Park era um paraíso, Nova Iorque era o caos perfeitos que eu precisava. Tudo se alinhava naquela cidade. Quando eu queria dar uma movimentada, conseguia. Quando queria viver minha calmaria, conseguia também. Digo que essa cidade é a cidade do equilíbrio, você nunca enjoa de viver aqui, pois tem sempre uma segunda opção do que fazer.

Durante minha caminhada, via muitas pessoas, já conhecia muitos frequentadores diários do parque, assim como eu, e sempre fazia novas "amizades". Há pouco mais de 3 semanas, conheci um senhor brasileiro, muito carismático, que disse ter ouvido falar de meu trabalho no Brasil. Ele era tão gentil, que durante 20 minutos da minha corrida, ele me acompanhava em silêncio, sabendo que eu não gostava de conversar, só pra me fazer companhia. Eu sentia pena, pois um filho dele morava no Brasil e a filha mais nova, morava na Itália. Eles se viam de 2 em 2 anos, apenas no Natal. 

 Quando eu e ele acabávamos de correr, íamos até uma loja brasileira de açaí para jogarmos conversa fora e confesso que já contei à ele coisas que não poderiam ser ditas.

Naquela manhã chuvosa de Nova Iorque, seu Luiz não fora correr meus 20 minutos finais do percurso, o que era estranho, pois ele sempre estava lá, na chuva ou no sol. Como não tinha mais nada pra fazer, pois já tinha terminado de escrever meu livro, fiz o outro percurso das corridas, na esperança de seu Luiz ter confundido os dias. Não encontrei o senhor de 77 anos das panturrilhas saradas.

Voltando da loja de açaí, que com seu Luiz ou não, era obrigatório tomar, voltei pra casa, ainda sem pressa, admirando o dia lindo que estava fazendo.

Na rua do prédio, percebi uma movimentação de carros diferente do normal. Depois de minutos de observação, decidi entrar no meu apartamento pelas escadas de emergência. Todo o fôlego de subir 7 andares fora em vão, porque a janela que eu nunca fecho, havia fechado com medo da chuva. Não tinha o que fazer, senão subir de elevador até o 6 andar e subir o último com cautela, tentando captar algo diferente.

Tudo normal no andar, o que me fez adentrar meu apê rapidamente, trancando a porta em seguida e... dando de cara com 5 homens de terno e óculos escuros? Tomei um susto e soltei um breve grito de espanto.

- Soraya Thronicke? – uma voz familiar perguntou.

O que esse velho estava fazendo dentro do meu apartamento? Por que ele estava me observando todos esses dias? Quem eram estes?

- Seu Luiz? Mas que por... – parei para pensar antes de continuar o xingamento. – O que o senhor faz aqui?

- Soraya, tenho muito para te contar, mas preciso ser direto. – puxou a cadeira da mesa de jantar, sentando-se a minha frente. – Viemos aqui na tentativa de te contratar.

Balancei a cabeça negativamente, levantando e indo em direção a porta.

- Perdeu quase um mês da sua vida, senhor. – Respondi abrindo a porta. – Eu mudei de vida, não faço mais o que o senhor precisa.

- A senhorita nem me ouviu direito. – Seu Luiz levantou de sua cadeira, aproximando de mim. – As eleições brasileiras começam ano que vem e precisamos de você. Soraya, você é a melhor no que faz!

- Fazia! – o cortei. – Fazia, no passado. Não faço mais e nem voltarei a fazer. – Fiz sinal com a mão em direção a porta, dando a entender um pedido de retirada de meu apartamento.

- A senhorita não está me entendendo. Primeiro, deixe me apresentar. Sou Luiz Inácio, assessor pessoal da futura candidata à presidência da República, Simone Tebet. Acho que a senhorita já ouviu falar sobre ela, certo? – Arqueou as sobrancelhas.

Assenti com a cabeça.

- Então, ela é cabeçuda. Quando invoca com uma coisa, vai até o fim pra consegui-la e ela me mandou até aqui. Eu não posso voltar para o Brasil sem antes convencer a senhorita de assinar esse contrato. – Tirou 4 folhas da pasta preta que havia deixado em cima do meu sofá.

- Senhor, por favor. – fiz o mesmo gesto que havia feito há minutos, pedindo a retirada dos homens de preto do meu apartamento.

- Senhorita Thronicke, vou repetir: a Simone...

- Não me interessa pra quem o senhor trabalha! – cortei sem dó o gentil senhor, que eu achava que conhecia. – Eu não sou mais aquela Soraya do Brasil, sou uma nova mulher há 3 anos e meio. Agora, se os senhores me permitem, quero continuar vivendo uma vida normal. Saiam, por favor!

Os homens se ajeitaram e foram saindo um por um, deixando o nem-tanto-conhecido Seu Luiz por último.

- Depois não diga que não te avisei, senhoria. – disse Seu Luiz, batendo a porta em seguida e me deixando pensativa.

Sentei no sofá, parando alguns minutinhos para assimilar o que estava acontecendo. Veio um filme na minha cabeça desde o meu primeiro dia de trabalho até o último. Todos os momentos positivos e negativos, a integridade e os conflitos, as vitórias e as derrotas. Uma derrota em específico. A mais recente. A que mais doeu. Eu, definitivamente, não queria passar por tudo aquilo de novo, mas algo me chamou atenção nessa proposta: Simone Tebet. Por que me procurara depois de tanto tempo? Por que me escolhera depois de tudo que aconteceu perto dela?

- Ah, que se foda! – pensei alto. – Eles que se fodam! – continuei.

Levantei, correndo para minha bicicleta ergométrica e continuar meus exercícios. Como tudo o que fazia precisava ter música, logo coloquei algo mais atual: Dua Lipa, que eu amava de paixão. Fui das músicas que mais me animavam, como Don't Start Now, até as músicas que mais me faziam refletir, como We're Good. Essa música, sem motivo algum, me fez lembrar Simone. Do nada, sem explicação. Só me veio a imagem dela na cabeça.

Voltei à órbita, tentando esquecer o que tinha acontecido nas poucas horas de meu dia. Fui tomar um banho, dessa vez morno e relaxante. Meu dia tinha muitos afazeres para me encucar com qualquer probleminha que não fora meu.

Depois de um dia – quase – normal, fui à minha biblioteca para ler antes de dormir. Passei exatas 2 horas lendo, no meu mundinho, quando minha campainha tocou.

Levantei, sem muita vontade, e fui atender a porta. Nem olhei o olho mágico, pois quase toda noite, minha vizinha mais nova vinha me chamar pra tomar chá na casa dela e eu, como a boa antissocial que sou, negava.

Não era minha vizinha. Era ela, com seus seus olhos penetrantes, cabelos escuros e pele pálida: Simone Tebet.

- Soraya! – sorriu. – Quanto tempo!

Jogada de Mestre - SimorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora