24 | Pessoas boas também fazem coisas ruins

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          Conferi umas três vezes se eu estava na casa e na rua de número certo. Não havia saído nem de Fort Collins e nem do Colorado; apesar disso, o lugar parecia mais com o campo; aliás, a casa na frente da qual eu estava parado lembrava as casas que vemos quando vamos até uma fazenda: a grama e a cerca eram bem cuidadas, aparadas e pintadas; também tinha cachorros correndo ao longe. Dei um passo para trás e ponderei sobre quem chamar e o que dizer em seguida, caso alguém atendesse — como eu deveria me apresentar? Eles se lembrariam de mim? E se não se lembrassem?

A imagem da Barbara na cama de hospital e a nitidez de seu rosto adormecido ocupou espaço em minha mente naquele momento e, quando notei, já me preparava para chamar pelo nome que escolhi entre os dois que eu tinha anotado: o da minha mãe, Elisabeth. Antes disso, ao erguer os olhos, avistei uma mulher de cabelos escuros e ondulados até os ombros, uma postura ereta, talvez assustada, vestida numa calça jeans e uma camiseta azul.

— Senhora Callahan? — disse em tom mais baixo, visto que ela me percebeu ali. — Nós podemos conversar um pouco? Eu sou o...

A sua corrida para dentro de casa aconteceu primeiro do que o término da minha frase. Decidi chamar mais uma vez, no entanto não foi necessário porque a mulher voltou acompanhada de quem eu pensei ser o meu pai, Ryan; este tinha o cabelo raspado e tão escuro quanto sua barba rala; havia também uma tatuagem de águia que cobria o seu pescoço de ponta a ponta. Eles vieram pela grama coberta de neve até a cerca sem tirar os olhos de mim. Eu me sentia um pouco desconcertado.

Como permaneceram quietos, resolvi dizer:

— Boa noite, desculpa incomodar, eu sou o...

— Zayn! — Elisabeth interrompeu traduzindo as letras com as mãos e com os olhos brilhando. Não demorou muito para que estivesse me apertando em seus braços finos. Por incrível que pareça, aquilo me trouxe alívio quase que instantâneo. O cheiro dela era muito bom, remetia a casa, embora não me lembrasse da minha primeira casa.

Abracei-a de volta, enxergando Ryan ao fazer isso: os olhos dele também lacrimejavam. No momento em que ele se juntou ao abraço, os meus adquiriam o mesmo estado. Fechei-os. Nenhum de nós se moveu até Lisa empurrar a mim e ao seu marido de forma carinhosa apenas para que pudesse gesticular, usando a língua de sinais:

— Você está vivo, meu filho. Eu sempre soube que estava. — Ela sorriu; e eu também. — Entra e fica conosco, vamos?

— Nós... Eu... — Ryan tentou dizer, fazendo-a olhá-lo e concordar, então ambos olharam-me. Eu sorri novamente.

— Vamos entrar juntos.

— Vamos, vamos entrar — falei ao mesmo tempo que gesticulei, ficando surpreso pela maneira como minhas mãos se mexeram para montar a frase tão naturalmente, como se fosse um costume ou fizesse parte da minha rotina.

Aquela recepção superou qualquer expectativa inconsciente minha. Meu pai esfregou os braços da minha mãe na intenção de aquecê-la pelo caminho curto até a entrada da casa deles.

— Você saiu tão rápido que eu nem tive tempo de pegar o seu casaco. — Entramos.

— Eu mal podia acreditar no que estava vendo. Nosso filho está aqui, você não percebe? Ele está vivo! O casaco não faz diferença — Ela voltou-se para mim, alegre: — Vou fazer a sua comida favorita, tenho massa e carne.

E aí saiu para a cozinha provavelmente. Franzi o cenho — não sabia qual era minha comida favorita. O meu pai me abraçou de lado, por cima dos ombros, antes de a seguirmos pela casa.

— Ryan, vamos precisar do alçapão, você pode organizar lá embaixo? — Lisa pediu.

— Alçapão? — perguntei, fazendo o sinal correspondente à palavra.

Submersos: Ecos da VerdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora