Capítulo final | A voz na fita

24 0 3
                                    







— O que está fazendo acordada? — foi o que eu disse ao ver Barbara parada na porta da nossa espécie de sala criativa, a qual usávamos para trabalhar juntos às vezes. Eu estava sentado à mesa retangular, terminando o design de um novo projeto. — Pensei que tivesse te ouvido roncar daqui agora mesmo.

Minha esposa, que permanecia encostada no batente, sorriu com os lábios. Ela tinha os cabelos curtos, acima da clavícula, estava vestida numa das minhas camisetas, descalça e com o rosto marcado pelo travesseiro e as cobertas: isso tudo me fez sorrir genuinamente em sua direção, sentindo meu peito esquentar por um momento.

A luz que vinha do cômodo atrás dela batia em seu corpo, já que aqui dentro estava um pouco escuro, e a deixava ainda mais bonita naquela posição. Estiquei a mão para chamá-la a fim de que estivesse entre meus braços, e não parada lá por mais algum minuto.

— Eu não ronco — resmungou depois de sentar de lado em minhas pernas e abraçar meus ombros. Encostei na cadeira rolante. Sua respiração leve batia no meu pescoço. — Por que me deixou sozinha e veio para cá no meio da noite? Ficou inspirado?

— Perdi o sono. — Levei as mãos para fazer um carinho nos cabelos atrás da sua orelha, o que a incitou a erguer a cabeça e me olhar. — Te vi dormir por um momento, vim na cozinha beber água e aproveitei para terminar os desenhos dos personagens do novo jogo que o Oliver está montando.

— Você é ótimo desenhando, é por isso que ele te pediu — bajulou. — Quer me mostrar como está indo?

— É claro. — Eu nos puxei para mais perto da mesa digitalizadora e apertei um botão ali para que inclinasse mais um pouco na nossa direção, assim Barbara poderia enxergar sem precisar se soltar de mim.

— Sobre o que é o jogo? — Abri a pasta com os desenhos em andamento enquanto erguia as sobrancelhas.

— Adivinha.

— Me conta. — Apertou um dos meus ombros. Sua ansiedade dispensa chutes. Sorri, cedendo.

— Corrida.

Acompanhei o momento em que seus olhos azuis se expandiram com a surpresa. Ela quis ver, imediatamente, todo o planejamento do gráfico, os objetivos do jogo e prêmios.

— São corridas de rua, como as que você corre. Os jogadores ganham pontos, dinheiro, experiência, carros e ainda podem jogar online, construir relacionamentos, é igual a um mundo virtual — acrescentei. Fiz tudo pensando sobre a Barbara e sobre o que eu lembrava das vezes em que me levou para assistir suas corridas (algumas de dentro do próprio carro). Transformei seu hobby noturno em um videogame. Foi desse jeito que consegui um bom cenário além de boas ideias para os personagens criados, especialmente os adversários que ocuparão as vagas de NPC ou das opções variadas no modo multiplayer. Valeu, Daphne. — E essa aqui é você.

O rosto dela é o que mais ocupa minha mente, eu não teria desculpas caso não conseguisse desenhar um avatar fiel. Aparentemente, deu certo — a julgar pela abertura da sua boca e os olhos fixos na tela projetada. Estou perdido analisando suas expressões genuínas.

Linda.

— Colocou os melhores modelos de carro padrão para mim. — Deslizou o dedo na tela, observando tudo. — Puxa saco. — Agora ela está sorrindo na minha direção e, como na primeira vez que fez isso, continuo sentindo como se meu coração fosse explodir ou meu estômago fosse congelar a qualquer instante.

— Não gostou? — perguntei depois de procurar segurar na sua mandíbula com a mão livre. A próxima coisa que farei é te dar um beijo, e matar minha vontade reprimida.

Submersos: Ecos da VerdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora