Um

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       Eles são casados ha quase quinze anos.
Quase quinze anos acordando ao lado um do outro, quatorze trabalhando no mesmo local, indo à mesma missa, mesmo círculo de amigos ... Mesma rotina.
Ou costumava ser?

Eles não iam mais à missa juntos, nem mesmo para o trabalho que era no mesmo prédio. Isso ha quase um ano.
Quando eles pararam de tentar?
Qual foi o momento que Ravi e Michel desistiram deles?

Cada um sabe dizer com precisão isso.

Michel desistiu quando Ravi preferia priorizar qualquer coisa, menos a dor de cabeçales.
Ravi desistiu quando Michel não se abria com ele, Quando o homem decidiu que era melhor se afundar na dor do luto sozinho.

Eles viram que o casamento estava caindo, mas fingiram que não era nada. Que podiam resolver depois, que iria doer menos se um não contasse para o outro como estavam ha um passo de cair, de desistir.
Foi assim que Michel se afundou no trabalho e bebida. Já Ravi ...

— O que é isso? —Michel pergunta.

Ravi não tinha percebido que ele estava ali. Tão concentrado em olhar pela janela do escritório, observando os carros la embaixo, a vista bonita que a grande janela de vidro lhe proporciona, os outros prédios tão altos quanto aquele, que ao menos ouviu a porta do escritório se abrindo.

A porta foi trancada; ele não ouviu. A voz de Michel que lhe tirou do transe.
Ele se vira para o marido que segura em sua mão quarto caixas já conhecidas de Ravi.
Todas abertas.

— Um paracetamol normal, Diazepan, Zolpiden e Sertralina. — Assim que termina a fala, ele volta a olhar pela janela da empresa.

Michel engole em seco. Ele sabe o que é, sabe para quê cada medicamento daquele serve.
Seu peito está apertado, o nó está ali na garganta, ele quer chorar.

— Há quanto tempo?

— Dez meses.

Duas palavras. Duas palavras que o fizeram cair sentado na cadeira que ha ali. Sorte que ela estava perto. Ravi ainda não o olha.

— Dez meses que o meu marido está medicado com tarja preta e eu não sabia ... Porra.

A voz dele sai como um sussurro.
Dez meses que eles mal se falam, vivem na mesma casa, dormem na mesma cama, mas não são mais casados.

— Porque?

Ele ainda está sentado. Agora colocando as caixas sobre a mesa, a mão indo direto para o rosto, ele aperta os olhos.

— Porque o médico receitou e-

— Não,  não é essa minha pergunta. Porque não me disse?

Ravi finalmente se vira para ele. O expediente dele já havia terminado. Ele devia estar em casa, ambos deviam.
Michel até foi, porém estava com uma puta dor de cabeça, então procurou medicamentos para isso por toda a casa. Nada. Ele não gostava de mexer nas coisas do marido, porém ele sentia que sua cabeça iria explodir depois da reunião de horas seguidas que teve com Otto, Mirella e os demais daquele setor.
Ravi era do setor de criação e ele também dá aulas de dança fora da empresa. Um artista aposentado que ocupa a mente com trabalho, assim como Michel, no final das contas.
Michel é do administrativo.
Foi assim que ele encontrou as caixas de medicamentos, tanto essas com comprimidos pela metade, quanto algumas vazias. Ravi havia desmontado cada uma e guardado de forma organizada.

— Pelo mesmo motivo que não me contou de suas bebedeiras exageradas. Eu só soube que você bebia quando devia estar no trabalho, pois você conseguiu entrar em coma alcoólico!

O Que Restou De Nós? | Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora