O Que Restou De Nós? | Livro 1

Oito

🚩 Alerta de gatilho: Menção a abuso sexual.

          

    

          Rosana abre a porta do consultório, sorrindo para o paciente. — Como foi seu dia, Michel?

Ela fecha a porta e espera o homem se sentar no sofá. Algo ja rotineiro, então ja sabem cada passo um do outro.

— Foi bom, embora o nervosismo não tenha deixado ser produtivo.—Ele sorri fraco.— Eu vou ver meu ex marido em dois meses. Temos uma reunião anual em cada empresa e ... Vou ter que ir à França.

Rosana o observa. É tão incomum Michel se abrir de verdade, então ela o deixa desabafar, sabendo que é isso que ele precisa.

— Não falei tudo aquele dia. — Ele suspira, se preparando para despejar tudo que está preso. — Chegou um momento do meu casamento com o Ravi que eu era obcecado por ele, possessivo, controlador. Isso quebrou a gente.—
Michel não olhava nos olhos da psicóloga, focado em um quadro atrás dela. As mãos e pernas cruzadas. —Ele teve que viajar a trabalho e ... Eu sonhei que ele se divorciava e ficava com o Eric, o rapaz que foi com ele. Sei que era só um sonho bobo, nada absurdo, mas ... Na minha cabeça doente, era o fim do mundo.

Rossana anota algo focada na linguagem corporal de Michel.

— Quando ele voltou, nós nos resolvemos e eu juro pra você, juro por tudo que é mais sagrado que eu quis mudar. — Os olhos dele estavam marejados.— Eu amo ... Amava o Ravi, eu queria salvar a gente. Nós viajamos juntos, mas teve um acontecimento. O Ravi parece não se lembrar dele, talvez a mente dele tenha bloqueado o ... o trauma.

Michel engole em seco. Nunca tinha contado isso para ninguém. Ele se odiava por tal razão.

— No terceiro dia de viajem nós transamos, só que ... Quando ele se virou pra mim, eu notei que ele não tinha chegado lá. Na verdade, ele nem estava pronto, duro, no caso. E eu tentei animar ele, falei como não era justo só eu sentir prazer, que ele precisava chegar la também. Sexo não deveria ser somente sobre um de nós, sabe? Foi aí que tudo deu errado.

A expressão da psicóloga não mudava, neutra. Enquanto Michel, seu rosto parecia um emaranhado de emoções.

— Ele não reagiu ou disse 'não', então, eu comecei a tocar nele, só queria que fosse bom pra ele também. Que aquilo não fosse só sobre mim...—Ele diz, sincero, ja sentindo o peito apertar. As mãos formigando.— mas a respiração dele mudou, parecia uma crise asmática, quase ouvia seu coração batendo forte, ele estava chorando e começou a dizer pra eu me afastar, tirar as mãos dele, quase desesperado. — As mãos de Michel estavam inquietas, ele já chorava. Um choro guardado há um tempinho.—Eu fiz isso, mas ele não melhorou. Continuou chorando, com a respiração difícil até que ele se virou para o lado da cama e vomitou. Eu não sabia o que fazer, chamei médicos, dei uma desculpa sobre ele ter tido um pesadelo e acordar desesperado. Duvido que tenham acreditado em mim.

Michel respira fundo, Rosana ainda somente o escutava e analisava, ela não ousaria falar algo agora.

— Eu limpei o chão vomitado, tentei vesti-lo, mas ele ainda estava ... mau. — O homem passa a mão no rosto, limpando as lágrimas.—Então eu só cobri ele. As médicas chegaram, me pediram para esperar na sala. Fiquei andando de um lado pro outro até que elas saíram do quarto. Disseram que ele teve uma crise de pânico severa, me ensinaram como devia agir caso se repetisse e que ele precisava de ajuda psicológica. — O aperto no peito volta. Michel queria chorar mais, então olhou para o teto respirando fundo. Uma tentativa falha de manter as lágrimas presas. — Nesse dia eu me questionei em que momento eu comecei a causar pavor ao meu marido. Como eu, que prometi cuidar dele até que a morte nos separasse, o machuquei assim? Como não vi que estava o ferindo desse jeito? isso me destruiu. A médica deu um calmante e o Ravi só acordou no outro dia pela tarde. Eu não consegui dormir mais. Porém, quando ele acordou ... Era como se não lembrasse de nada, nada mesmo.