Eu estou na praia. Estou correndo para o mar, olho para trás. Tem um lobo atrás de mim, está cada vez mais perto. Eu nado cada vez mais longe, me permito olhar de novo, o lobo se transforma no meu pai. O desespero toma conta de mim, eu tento nadar mais forte, mas meus pés estão presos, eu não consigo me soltar. Ele vai me pegar. Eu me jogo na água, me afogo.
Acordo assustado no hospital, meu coração está acelerado, sinto uma pressão no meu crânio, toco a região com cuidado, tem uma enorme faixa em torno da minha cabeça. Forço meu corpo para me levantar, mas Suzy aparece abrindo a porta.
─ Benjamin, o que está fazendo? Fica aí. ─ Ela corre até mim e me segura. Deixo que ela me guie até a maca, a ruiva arruma o travesseiro e encosta a minha cabeça com cuidado.
─ Como se sente? ─ Ela pergunta me analisando.
─ Eu estou bem…só minha cabeça que dói muito.
─ É horrível ver você assim.
─ Não é como eu desejava passar o Natal… ─ Rio fraco. ─ Eu estraguei o Natal de vocês.
─ Não, seu pai que estragou, você não tem culpa pelo o que aconteceu. ─ Suzy diz com um olhar triste.
─ Eu deveria ter ficado longe daqui, tudo isso poderia ter sido evitado. ─ Paro por um momento encarando a parede branca. ─ Você sabe, eu nunca mais vou ser o garotinho do papai, ele nunca mais vai me amar. ─ Meus olhos fraquejam e eu me permito chorar.
─ Oh, Benjamin… ─ Suzy me envolve num abraço forte. ─ Eu não sei o que te dizer, acho que nada o faria feliz agora, mas saiba que estou aqui por você. E eu te amo, tá bom? Seu pai pode até não te amar, mas eu sim.
─ Você só está me fazendo chorar mais ainda, muito obrigado, Suzy. Eu também te amo. ─ Eu abraço a ruiva.
Minha mãe aparece aparece também, ela me olha desesperada.
─ Filho?! Como você está? ─ Ela me pergunta vindo até mim.
─ Eu estou bem, mãe. ─ Digo para tranquilizá-la.
─ E sua cabeça? Está doendo muito?
─ Sim, está. Mas, vai ficar tudo bem.
─ Você deve estar com fome, vou buscar algo pra você. ─ Minha mãe diz deixando um beijo na minha bochecha. ─ Volto já.
Minha mãe sai, eu e Suzy ficamos sozinhos novamente.
─ Cadê ele?
─ Fugiu, depois que você desmaiou, ele abriu a porta e saiu correndo, ninguém sabe onde está.
Fico em silêncio.
─ Eu não quero mais viver, Suzy. Me ajude a acabar com isso. ─ Suplico.
─ Não, Benjamin…por favor.
─ Ele não pode ir, minha mãe precisa da ajuda financeira dele, é culpa minha. ─ Sinto um desespero tomar conta de mim. ─ O problema sou eu.
─ Benjamin, não diga essas coisas, por favor. É um momento de crise. Ele vai voltar.
─ Me desculpa.
Minha mãe volta com um sanduíche e água.
─ Come filho. ─ Ela me pede, deixando a comida do meu lado.
─ Depois eu como, mãe. ─ Digo e Suzy me olha preocupada. ─ É sério, eu vou comer daqui a pouco, tá bom?
─ Tá bom, descansa. ─ Suzy diz. ─ Pode ir Dona Sophie. Eu fico com ele aqui.
─ Vou para arrumar a bagunça, aproveito e já acompanho o Noah até em casa. Não demoro pra voltar.
Suzy assente.
─ Dorme, já está tarde. ─ A ruiva diz indo até um sofá.
Ajeito o meu corpo e me obrigo a dormir.
Acordo numa ilha. Parece normal, eu me levanto da areaia e a ando. Mas de repente o chão começa a tremer e os coqueiros começam a desabar, o céu fica escuro, e o mar fica agitado. Eu corro rápido. Ele está aqui de novo. O lobo.
Vejo um vulcão transbordar, a larva quente acaba com tudo, o lobo está mais perto de mim, está prestes a me atacar. Eu me jogo na larva, eu queimo.Me levanto da maca disparado e até esqueço que estou no hospital por um momento. Suzy está dormindo no sofá, olho a hora, são três horas da madrugada. Estou suando frio. Porque eu estou sonhando com essas coisas?
Me sento encarando o sanduíche. Pego e mordo um pedaço, e mais um, e outro, até não sobrar nada. Bebo uma boa quantidade de água e saio do quarto de fininho, sem que Suzy perceba.
O corredor do hospital de madrugada é sinistro. Caminho como quem não quer nada, está um pouco silencioso.
─ O que está fazendo, mocinho? ─ Uma enfermeira me pergunta e quase tenho outro desmaio com o susto que ela me dá.
─ Eu…quero usar o banheiro.
─ O banheiro é pro outro lado, você vai reto e vira à esquerda. ─ Ela me orienta.
─ Está certo, obrigado. ─ Digo indo para o outro lado. Ando rápido e quando passo pelo o quarto que eu estava, ando mais rápido ainda, olho para trás para ver se a enfermeira está lá, e vejo que ela se foi. Invés de virar a esquerda, eu viro a direita.
Eu não faço a menor ideia para onde eu estou indo, eu diria que estou explorando o hospital. Tudo que eu menos quero agora é voltar a dormir. Quero esses sonhos perturbadores bem longe de mim.
Vejo uma longa escada e me arrisco a subir. Aonde isso vai dar? Subo evitando barulhos e chego ao terraço do hospital. Dá para ver a cidade inteira daqui.
Têm umas cadeiras rodeadas de plantas, eu me sento em uma delas e inclino a minha cabeça para ver o céu estrelado.
O que será que o Christopher está fazendo agora?
Minha cabeça começa a doer e me levanto imediatamente. Ando perto da beirada do edifício, as luzes da cidade tão iluminadas, vejo o jardim do hospital todo decorado com enfeites natalinos, ambulâncias indo para lá e pra cá. Eu não queria passar o meu Natal assim.
Várias perguntas começam a aparecer na minha mente. Mas tem uma em específico que fica martelando. Onde o meu pai está?
Sinto uma gota de sangue escorrer pela minha testa. Droga.
Coloco a mão sobre a faixa e desço as escadas. Faço o mesmo trajeto para voltar para o quarto e me sinto aliviado quando vejo Suzy ainda dormindo. Falo com uma enfermeira para entender o porquê do sangramento e ela diz que minha ferida não está curada.
Me sento na maca e a enfermeira coloca outra faixa na minha cabeça.
─ Você tem que ficar quieto. Não saia do quarto. ─ Ela diz e eu assinto.
Encaro o nada. Eu não posso dormir.
O quarto está escuro, apenas é iluminado pela a luz do corredor. Ficar olhando aquelas paredes brancas começa a me dar náuseas e me demando a fechar os olhos. Um livro seria maravilhoso nessas horas.
Respiro fundo. Só se passaram trinta minutos desde que eu saí. Que porra.
Fico por mais de uma hora tentando lutar contra o sono, mas cedo.
Estou agora num prédio, calma, é o hospital. Ouço pessoas gritando e o lobo surgir. Eu corro para a escada do terraço, subo o mais rápido que posso, o lobo me encurrala e eu pulo. Alguém me segura, é Christopher. Ele está sorrindo.
Acordo novamente pertubado, esse sonho não durou nem cinco minutos e acho que é o primeiro em que não morro no final. Eu não quero mais sonhar. Eu preciso sair desse lugar.
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A cor mais quente em Vênus
RomansaBenjamin Casey é um garoto apaixonado por literatura e encontra nos livros o seu maior refúgio. Desde de pequeno sempre teve problemas com o pai, que por não aceitar a sexualidade do jovem, o transfere para um internato frequentado somente por garot...