— Bom, eu vou começar mais um ano bebendo cachaça barata, ruim e cancerígena de mercado, ao invés de um copo com água filtrada. Já não tenho esperança de melhores hábitos para 2023.
— Ah, mas não faz sentido beber um copo de água no Ano-Novo. Você nunca criaria um hábito assim.
— Claro que criaria. O ano começa como uma página limpa, e se eu adiciono água a essa página logo no primeiro dia, posso seguir fazendo o mesmo todos os dias, para manter um padrão. Sabe, aquela lógica de "Fiz isso todos os dias desse ano e vou continuar fazendo", ao invés de "Ah, já não fiz nada disso o ano inteiro mesmo, pra que começar agora"?
— Que lógicas são essas?
— Você não concorda?
— Eu não acho que você consiga criar esses hábitos saudáveis até que eles comecem a fazer muito sentido pra você.
— Não sei se entendi o que você quer dizer.
Juliano começou a me contar sobre como ele foi obcecado com dormir cedo e beber água durante todos os anos do ensino médio, porque a galera da internet dizia que fazia bem e era saudável, e ele queria ser saudável. Mas nunca conseguiu manter uma consistência. Começava dormindo a noite toda um e, no outro dia, só conseguia dormir por três horas, até que voltava a dormir somente três horas todo dia e só se sentia pior e mais culpado ainda.
— Com o tempo, só larguei de mão os sentimentos de culpa sobre esses hábitos péssimos porque cansei de me sentir um merda por não ser saudável. Mas daí comecei a notar realmente o quanto me prejudica dormir mal. Tipo, antes eu não notava porque estava com tantos problemas e tantas coisas ruins acontecendo o tempo todo, que dormir mal ou bem não fazia muita diferença. Logo, não fazia sentido, e acho que, por isso, eu nunca conseguia manter consistência. Esses dias comecei a observar como dormir mal me deixa miserável durante o dia inteiro e não consegui achar muita coisa para culpar no lugar disso. E agora, só faz sentido ir dormir cedo e bem.
— E você tem conseguido?
— Não, mas acho que vou continuar tentando.
A resiliência dele me fez sorrir. Tomei outro gole de cachaça e continuei numa espiral sobre meus hábitos ruins. Ele me cortou em certo momento e disse:
— Olha, Gregório, a gente só é o produto dos nossos arredores. Você conhece alguém que não está deprimido, ansioso, com vícios terríveis e hábitos piores ainda?
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Velho ano-novo
Roman d'amourTodo ano é igual na vida de Gregório, mas algo parece prestes a mudar quando ele conhece Juliano no mercadinho do bairro na noite de Réveillon.