12. Delirando

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– DIA 3.251 –

NARRADO POR BENJAMIN

Quando eu terminei de fazer a amputação do braço de Yorick, envolvi seu coto com duas camisetas limpas minhas e o arrastei com uma lanterna na boca para o abrigo mais próximo disponível, uma padaria com uma placa puída na fachada. O levei até a cozinha do local e usei uma faca grande que encontrei no chão para matar dois mortos andantes que estavam ali.

Acendi uma fogueira com os restos de um banco, lavei com água e esquentei uma chapa do fogão e cauterizei o coto de Yorick, que infelizmente sentiu tanta dor que voltou a acordar para gritar com a voz rouca e falha depois de ser estrangulado e gritou tanto quando desferi os golpes com o facão. Tampei sua boca para tentar fazer ele se calar, mas um morto entrou pela porta da cozinha, atraído pelos gritos. Vi-me obrigado a tirar a chapa do ferimento para matar o intruso, voltei a esquentar a chapa e cauterizei mais um pouco, mas Yorick não teve reação alguma desta vez, porém não morreu como temia.

Fui para fora buscar nossas mochilas, o facão, a adaga e aproveitei para pegar o relógio que ficou no pulso do braço amputado. Depois voltei para pegar o braço e o escondi dentro do porta-malas de um carro abandonado, para que Yorick não o veja quando acordar. Essa talvez seja a coisa mais estranha e aleatória que eu já fiz.

Deixei seu coto suspenso em cima de sua mochila até o sangramento parar e refiz os pontos no ferimento que a adaga fez e que arrebentaram enquanto corríamos. Os pontos que fiz já não eram bonitos, mas depois de arrebentar e refazer, a aparência ficou horrível, o que vai deixar uma cicatriz bem pior do que se fosse um médico que fizesse. Mas os meus remendos são úteis para fazer parar o sangramento e o processo de cicatrização será mais rápido do que não fazer nada.

Desde então eu quase não durmo para ficar sempre de olho nele e em possíveis invasores, apenas dou curtos cochilos e Nigreos é ótimo em não me deixar dormir mais que meia hora.

A padaria já teve uma porta de vidro na entrada que não existe mais e a porta da cozinha não tem tranca, daquelas de alumínio que abrem para ambos os lados sem esforço. Tudo o que nos separa do mundo lá fora é uma portinha de madeira do balcão e uma tábua que preguei do lado de dentro da cozinha na porta, mas que nada impede que seja aberta para fora. Pelo menos já foi útil contra os mortos burros.

Hoje faz três dias que saímos da Escola e da amputação que fiz em Yorick. Agora acabo de acordar de um cochilo de meio hora com Nigreos miando. Sento-me no chão sentindo meu pescoço rígido por ter passado algum tempo com a cabeça em cima de um casaco moletom como travesseiro, que mesmo dobrado é desregular e desconfortável.

Olho para o gato que mia novamente e vejo que ele está com as patas dianteiras em cima do ombro esquerdo de Yorick e cheira seu rosto, um gesto que vem fazendo sempre que o humano abre os olhos. Por isso não é surpresa quando vejo Yorick de olhos abertos e piscando como se a fraca luz do dia nublado da tarde e que entra pelas janelas com camadas grossas de poeira o incomodasse.

Yorick acorda pelo menos duas vezes por dia e nunca se lembra do que aconteceu da vez anterior em que acordou ou do que aconteceu com ele, fala coisas que não consigo entender na sua maioria e sempre está com os pensamentos confusos, mas sua febre justifica isso.

Vou até ele, me sento ao seu lado no chão, retiro o gato de cima de Yorick e ponho a mão na sua testa suada para verificar a temperatura. Respiro de alívio por finalmente sentir que a febre diminuiu, mas ainda não desaparece por completo.

– Quem é você? – ele pergunta com a voz rouca e baixa.

– Sou eu. Benjamin! Lembra?

– Benjamin... não conheço nenhum Benjamin. Onde está minha mãe?

Yorick: IntroduçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora