17. Armário

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– DIA 3.274 –

Um pé de cada vez, colocar uma mão aqui e depois ali, tomar cuidado para não tocar em algum inseto ou espinho, confiar na força que tenho e no equilíbrio, cuidar para não confiar em galhos finos e esticar o braço para pegar uma maçã.

Quando eu era criança nunca tinha subido em uma árvore, mas quando fui para a cabana aprendi a subir nelas, pois a vontade de pegar bons frutos é maior que o medo de cair e quebrar uma perna. Assim, aprendi a ter certo prazer em subir em árvores, afinal sou sempre bem recompensado com alimentos frescos.

Quando encontramos essa macieira alguns minutos atrás, Marcelo se ofereceu para subir, mas eu tomei a dianteira e fui. Um pouco mais desajeitado que antes, afinal não tenho mais uma mão, mas subi com calma e deu tudo certo.

Pego maçãs vermelhas de vários tamanhos e as jogo para o chão, onde Marcelo às cata e coloca na barra da própria camiseta, onde ele usa a parte da frente como uma "canoa". Os demais estão conversando sentados na sombra de uma árvore robusta ao longe, com galhos que se abrem como se para abraçar o céu azul, o que gera uma grande área de sombra.

Pego uma maçã levemente deformada, mas boa para o consumo e antes de jogá-la para baixo, ouço a risada estridente de Verônica junto aos outros. Aproveito que estou a quatro metros do chão e olho ao redor procurando possíveis Vazios que possam ser atraídos pelo som, mas os únicos seres vivos que vejo além de nós são os pássaros que voam e Nigreos caminhando pelo asfalto a uma distância considerável de nós. Eu até ficaria preocupado com ele, mas acredito que o gato aprendeu a lição na última vez que foi pego por um Vazio e não dará sorte ao azar novamente.

Olho o trio e vejo Verônica rindo alto ao ponto de jogar a cabeça para trás. Já Sarah acompanha na risada, mas tem o bom senso de pôr as mãos na boca para não emitir som e aparentemente consegue seu objetivo. E fico orgulhoso ao perceber que Benjamin parece desesperado para fazer a mulher calar a boca.

– Ela ainda vai nos arrumar problemas! – afirma Marcelo três metros abaixo de mim. – É só uma questão de tempo.

– Também acho. – comento e jogo a maçã para baixo. – Mas o que mais me preocupa no momento é minha sanidade mental. Minha cabeça parece latejar sempre que escuto a voz dela. Eu não estou exagerando, não aguento mais, mesmo.

– E eu que aguento ela há anos. – ele ri. – Sarah e Verônica sempre foram muito amigas e passavam horas conversando.

– Mas na Escola ela tinha outras coisas para fazer, não passava o dia inteiro te enchendo a cabeça.

– Isso é verdade! Não sei como o Ben aguenta aquelas duas.

– Ele tem muita paciência. – estico o braço e arranco outra maçã de um galho e a jogo para baixo. – E ele gosta disso. Acho que dá a ele o que pensar. Já eu, sou um amante do silêncio, da paz e sossego. Mas até entendo ele.

Olho ao redor procurando mais maçãs, mas as únicas que vejo são verdes, pequenas ou parcialmente comidas por pássaros. Então começo a descer com calma, até dar um salto de um metro e meio de altura. Meus pés doem de forma aguda com o impacto, mas logo passa. Olho na direção do trio e desejo não ir até eles e vejo que Marcelo também não.

– Olha o que aquela mulher está fazendo. – ele comenta. – Eu amo Sarah, mas não quero chegar perto dela.

– Te entendo melhor que ninguém. Quer fazer uma horinha aqui?

– É uma boa ideia.

Nós nos sentamos sobre a grama e somos cobertos pela rala sombra da macieira. Marcelo põe as maçãs da sua camiseta em uma pilha à sua frente, formando um montinho de frutas em tons de vermelho e amarelo. Ele pega uma delas e dá uma mordida e eu faço o mesmo em outra.

Yorick: IntroduçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora