18. Ambiguidade

6 2 0
                                    

– DIA 3.275 –

Li em algum lugar certa vez que o corpo humano contém cinco litros de sangue em média, mas nós não temos noção da quantidade que é isso até vermos o sangue sair de um corpo. Não posso dizer que Verônica perdeu todo o sangue, afinal ela não teve o corpo drenado. Mas pelo menos a metade dele saiu e em grande parte sobre mim.

Depois de cerca de uma hora que ela morreu, Verônica acordou para a sua segunda vida. Acho que eu estava mais apavorado do que pensei estar, porque esqueci completamente de ferir seu cérebro. Então o fiz, me banhando ainda mais de vermelho.

Essa sem sombra de dúvidas foi a pior noite da minha vida, ganha até mesmo da vez em que dormi em um galpão em meio à mata, no dia que minha mãe morreu. O corpo de Verônica diminuiu a temperatura conforme as horas passaram, ficou rígido e fui banhado pelo seu sangue.

Estar em contato com o corpo frio, molhado de sangue e com a fria, me fizeram tremer ao ponto de ficar com medo de ter uma crise de hipotermia, embora a noite aparenta estar em uma temperatura agradável e amena.

Nessa noite eu chorei como há muito tempo não chorava. Foi como tornar o pesadelo mais macabro e perverso em realidade. Passar frio por estar banhado em sangue, preso em um armário apertado e escuro com um cadáver e criaturas batendo à porta tentando entrar para acabar com minha vida.

Nem no meu pior pesadelo poderia imaginar uma situação dessas.

Na metade da noite os Vazios desistiram de me pegar, mas não tive coragem de abrir a porta para me desfazer do corpo da mulher, então aguentei até o amanhecer.

Não sei se adormeci em algum momento nessa longa e escura noite, mas a sensação que tenho é que em um piscar de olhos, a luz do dia se fez presente nas frestas das portas do armário e então decidi deixar essa câmara de tortura para traz.

Abro uma fresta na porta, constato que não existem Vazios no quarto e percebo que o dia está mais claro do que pensei, então escancaro ambas as outra porta. Empurro o corpo rígido de Verônica para o chão que cai como se ela fosse feita de plástico duro. Ponho as pernas para fora e começo a me levantar, mas meu corpo está tão dolorido pelas horas imóvel e encolhido que quase choro novamente pela dor e esforço de me pôr ereto. Demoro mais de dez minutos para o sangue nas minhas pernas voltarem a circular e eu ter forças de andar.

Olho para uma das paredes do quarto, onde sei que tem um espelho empoeirado e me olho. Apesar do pó, vejo que estou parecendo ter saído se um filme de terror. Meus braços, pernas e rosto estão sujos de sangue seco e escuro e meu abdômen e colo estão ainda úmidos com o vermelho, já que é onde o sangue se acumulou.

Acabo rindo comigo mesmo por me comparar como uma versão masculina de Carrie, a Estranha, mesmo que a situação seja nem um pouco engraçada.

Caminho pela casa lentamente deixando um rastro de sangue pelo chão e coberto de dores, vou para frente da casa, passo pela porta de entrada e vejo logo a frente uma estreita estrada de terra acidentada. Vou até ela e me sento na terra dura e deixo o Sol da manhã esquentar meu corpo lentamente.

Não sei quanto tempo se passou (seriam duas ou três horas?) até que vejo um rosto amigo entrar no meu campo de visão. Peludo, preto como a noite e com olhos verdes grandes.

Ergo mais o meu olhar e vejo Sarah me encarando com expressão de preocupação no rosto. Ela se vira e corre novamente para o interior da casa e meio minuto depois, Benjamin aparece correndo para mim.

Tento me pôr em pé, mas parece que perdi todas as forças do corpo. Ele se abaixa e me dá um abraço apertado, enterrando o rosto em meu pescoço. Abro a boca para dizer para ele se afastar, já que estou todo sujo, mas um som estranho sai da minha garganta e percebo que se trata de choro.

Yorick: IntroduçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora