13. Calças

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– DIA 3.252 –

Meus olhos parecem pegajosos e húmidos quando os abro e vejo tudo borrado pela umidade na visão. Olho para o lado e vejo uma cozinha com as paredes sujas com sangue seco antigo, teias de aranhas pelos cantos e uma grossa camada de poeira sobre a pia, bancada, fogão, eletrodomésticos e armários.

Vejo Nigreos enrolado dormindo encostado no meu ombro e do outro lado da cozinha vejo Benjamin deitado de costas no chão e encarando o teto com um casaco como travesseiro.

– Benjamin? – chamo.

Ele me olha, dá um suspiro, levanta e vem até mim. Ele está diferente da última vez que o vi: a volta de seu olho não está mais tão roxa assim como seus antebraços, o lábio rachado já está quase completamente cicatrizado e seu hematoma na bochecha está apenas amarelado. Como se eu tivesse passado muitos dias sem o ver. Ele também está com olheiras profundas que marcam sua pele de porcelana e se move com lentidão, como se estivesse exausto.

– Com sede? – ele pergunta e automaticamente sinto minha boca e garganta secas.

– Sim.

Ele pega uma garrafa com água em cima da mesa e me ajuda a beber. Então sinto o quão estranha é essa situação de alguém me ajudar a beber água e por estar deitado no chão de uma cozinha desconhecida. Assim, depois que tomo a água, tento impulsionar meu corpo para frente para me sentar, mas sou impedido por Benjamin que me empurra de volta para o chão e mesmo que ele não fizesse isso, eu não conseguiria me erguer.

Sinto meu corpo fraco e sem forças, como se eu não tivesse músculos no corpo, minha cabeça lateja como se tivesse uma bomba pulsante dentro do meu crânio e cada centímetro da minha carne dói.

– O que aconteceu? – pergunto tentando me lembrar, mas nada me vem à mente.

– Qual a última coisa que se lembra?

– Nós estávamos correndo. Fugindo da Escola. – forço a memória a funcionar. – Não lembro nada depois disso. Só que estávamos correndo.

– Você sofreu um acidente. Mas vai ficar bem!

– Que tipo de acidente?

– Não precisa pensar nisso agora. Você está bem.

Nigreos acordou de seu sono, se pôs em pé, apoiou as patas dianteiras no meu ombro esquerdo e cheirou meu rosto, me encarando com seus grandes olhos verdes e me fazendo cócegas com seus bigodes. Acabo rindo dele e ergo minha mão esquerda para afagá-lo e afastá-lo, mas meu braço parece leve demais e quando encosto no gato, nada acontece.

Benjamin retira Nigreos de perto de mim e vejo minha mão esquerda, ou melhor, a ausência dela. Vejo que metade do meu antebraço esquerdo desapareceu e onde deveria estar o resto dele, tem tiras largas de tecidos vermelho e branco presos com esparadrapo.

Todos os pelos do meu corpo se eriçaram com a surpresa, meu coração acelera ao ponto de retumbar em meus ouvidos e minha respiração acelera.

Ergo mais meu braço esperando ver minha mão sair de algum lugar, mas ela não aparece como o esperado. Flexiono meus dedos, giro o pulso e fecho a mão em punho. Sinto todos os meus movimentos como se minha mão estivesse bem ali, onde deveria estar. Mas não existe nada para se mover ou sentir.

– O que aconteceu, Benjamin? – pergunto assustado. – Onde está meu braço?

– Está tudo bem, Yorick. Porque não volta a dormir? Vai se sentir melhor depois, quando acordar.

Olho para minha mão direita para me certificar que ela ainda está ali, afinal também sinto a esquerda. Olho para meus pés descalços e tudo parece que está em ordem, menos meu antebraço esquerdo.

Yorick: IntroduçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora