XXII

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Aviso de capítulo sensível, temas como abuso sexual serão mencionados. Boa leitura...

Minha infância e adolescência haviam sido um fracasso. Eu me lembrava de momentos até os meus sete anos, e então tudo virava um borrão.

eu não queria me lembrar. Não queria voltar para aqueles momentos, e por isso me forcei a esquecer, eu havia conseguido, havia me esquecido dos momentos que quase me fizeram desistir de tudo. E um simples nome me fez voltar para o único lugar que eu temia nesse mundo.

minhas lembranças.

fiquei tão atordoado que ignorei as perguntas de Styles até chegarmos no apartamento. Ignorei seus chamados enquanto ia em direção ao meu quatro e batia a porta. Ele não tentou entrar, eu o agradeci por isso mentalmente.

eu estava deitado na minha cama, meus olhos se arregalando a cada memória nova que surgia na minha cabeça. Eu estava com medo. Como eu fazia aquilo parar, porra. Eu não tentei segurar as lágrimas dessa vez. Elas saíam frenéticas, guardadas por muito tempo, enquanto meu corpo tremia em soluços que eu não conseguia segurar. Além disso, o frio congelante fazia minha resposta ao ficar cada vez mais entrecortada. Minha janela estava escancarada, mas eu não tinha cabeça para me levantar e fecha-la. Nem para me cobrir. Como eu cheguei a esse ponto de paralisia? O que estava acontecendo comigo?

parei de soluçar aos poucos, apenas lagrimas silenciosas escorrendo pelo meu rosto enquanto eu olhava para o nada.

minha porta abriu, e meu coração bateu ainda mais rápido em agonia. Eu não queria ser visto daquele jeito, fraco, impotente e desesperado. Eu mesmo não me via daquela forma desde que era menino.

- Tomlinson...meu deus, você vai congelar dessa forma! - Styles reclamou, indo até a janela e a fechando, um último vento gélido batendo no meu corpo. - as vezes me pergunto se você realmente pen-

suas palavras foram interrompidas assim que ele se virou para mim. Eu não queria encara-lo de volta, então abaixei o olhar, respirando pesado. Seus pés se aproximaram, e ele estava se abaixando na beirada da cama, ficando no meu campo de vista.

seus olhos estavam surpresos e...preocupados? Preocupados, ou talvez com pena.

o quarto ficou silencioso enquanto ele me olhava.

- Tomlinson...- me chamou baixo, enquanto levava uma mão até meu cabelo e o jogava para longe do meu rosto. Isso não deveria ser tão aquecedor, não deveria ser tão calmante.

- eu estou com medo. - falei por um fio de voz, surpreendendo a mim mesmo. Eu não queria ficar sozinho daquela vez, e se Styles estava ali, eu não iria negar ter alguém para conversar pela primeira vez. Mesmo sendo alguém que eu nunca imaginei estar fazendo algo assim.

Styles enrugou a testa, parecendo pensar antes de me responder.

- de Payne?

neguei com a cabeça.

- de quê, Louis?

Louis, Louis...porque ele tinha que me chamar assim justo agora?

- o guarda.- falei suspirando com seu toque sobre minha cabeça.

- que guarda?

eu ia responder, mas assim que abri a boca, o choro voltou. Eu não sabia se conseguiria falar sobre aquilo. Styles pareceu assustado ao me ver chorar. Eu também ficaria.

em um ato inesperado por mim, ele se levantou e se sentou na cama, na minha frente. Eu não quis saber o que ele estava fazendo, só queria sentir sua pele contra a minha.

ele se deitou na minha frente e me puxou para a porra de um abraço. Eu não sabia qual tinha sido a última vez que havia sido abraçado, e isso só me fez chorar mais.

- acalme-se... - pediu, acariciando minhas costas. - está tudo bem, você está seguro.

engoli umas três vezes antes de tentar falar.

- n-no treinamento. - solucei.

- respire. - disse baixo, e eu respirei fundo.

- Payne era um amigo. Me lembro daquela criança, eu o chamava de capitão Payno... - funguei, as mãos nas minhas costas me relaxando. Era bom não ter suas esmeraldas verdes me encarando naquele momento, eu não me sentia intimidado enquanto falava com o rosto contra seu pescoço. - um dia ficamos acordados até tarde, m-madrugada se não me engano. Achei aquilo tão legal. Fazia muito tempo que eu não brincava de nada. - me forcei a sentar na cama, e ele me acompanhou prontamente. - e-eu estava sujo, cansado...tinha nove anos. Era meu segundo ano lá dentro. - esfreguei meu rosto com força, tentando limpar as lágrima e fazer com que elas parassem de cair. Eu odiava chorar. Mas mãos seguraram meus pulsos com leveza, os afastando. Olhei nos olhos de Styles e quase me senti tonto quando ele limpou minhas lágrimas gentilmente com seus polegares.

- continue.- assenti quase hipnotizado.

o que era aquilo?

- fomos pegos por um guarda. - estremeci. - estávamos no meio da mata. - mordi meu lábio com força, segurando as lágrimas. Eu não queria mais chorar. - a-achei que nos delataria, e que íamos para a punição. Mas ele...ele disse que iria nos ensinar a não fazer mais aquilo. - senti meu estômago revirar com os flashbacks - ele pegou Payno primeiro, mandou ele tirar a roupa...e-eu sabia que era errado, então eu...eu...

- está tudo bem, Louis. Está tudo bem. - Styles me acalmou, uma mão na minha nuca, afagando minha pele em uma massagem acolhedora enquanto franzia ainda mais as sobrancelhas, provavelmente sabendo o rump daquela história.

- eu peguei a arma do guarda e apontei para o céu, disparei o gatilho para distraí-lo...mandei Payno correr e ele correu chorando, porque o guarda tinha tocado nele...eu estava com a arma, Harry. - falei culpado- mas eu não consegui mata-lo...eu não consegui...e então ele...ele me estuprou.

Harry arregalou os olhos apavorados.

- eu perdi meu medo da morte naquele dia. E-eu...não me lembrava disso... - solucei. - eu devo estar maluco. - ri sem humor  - não me lembrava de Payne, não me lembrava de nada disso, eu...eu não sei...estou com medo da minha mente. E se t-tiver mais coisas? Eu não quero lembrar, só quero dormir e nunca mais pensar nisso, o-o que eu faço? Me ajude.

Harry passou seus braços ao meu redor novamente, dessa vez me puxando para si, encostando minha cabeça em seu peito, enquanto eu chorava e sentia afagos no meu cabelo, sem forças para abraçar de volta.

- você não está louco, Louis... - suspirou - você sofreu um trauma muito novo, sua mente bloqueou tudo isso de você como mecanismo de defesa. Eu não imagino o que você passou, e o que está sentindo agora com todas essas dores voltando. Mas eu sinto muito, Louis, eu sinto tanto... - me afastei para olhar em seus olhos - sei que você está se sentindo fraco por me mostrar esse lado, mas somos amigos, não somos?! - perguntou rápido, e percebi o verde avermelhado. - não se afaste amanhã. Deixe-me ajuda-lo. Deixe-me te confortar essa noite. Deixe-me protege-lo dos seus medos, te manterei seguro hoje. Eu prometo.

eu ainda tremia, lágrimas saindo mais silenciosas dessa vez. Eu não tinha certeza de muitas coisas naquele momento, mas sabia que não queria ficar sozinho. Na verdade, não queria outra pessoa que não fosse Styles ali.

- não me solte. - foi tudo o que consegui dizer enquanto sentia seu cheiro e corpo abraçarem o meu.

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