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– Se alguém que você odeia morresse, você ficaria triste?

Se aquela pergunta tivesse sido feita alguns anos atrás, eu definitivamente não saberia como responder. Eu ainda não sabia, pensava não saber, era muito difícil, sentimentos eram confusos e, alguns, inexplicáveis. Beomgyu era excêntrico em suas perguntas, mais do que isso, ele perguntava sorrindo.

Eu olhei para aquele rapaz, meus olhos escuros, eram redondos e tão afáveis quanto gatos melosos à procura de carinho, mas eu não queria nada daquilo e eu também não era meloso, apesar de dizerem que meus olhos eram tão bonitos como pontos de luz na escuridão.

Parei para refletir, mas talvez cinco segundos nunca fossem o suficiente para lidar com a palavra morte. Nem cinco minutos seriam o bastante. Eu tinha vinte e dois anos, ainda não sabia lidar com a falência da vida e seus braços de foice, cortantes de sombras que carregavam algo além da paz.

– Você sabe que sim.

– Meu pai morreu. Ataque cardíaco. – Beomgyu contou como quem fala do tempo e talvez o tempo fosse assim, mesmo, meio do nada, imprevisível. Meio triste ou com raios de chuva. Seus olhos, no entanto, eram tão brilhantes como sempre foram. Ele bebericou seu suco de morango e, naquele momento, algo reviveu em suas memórias. – É muito insensível da minha parte ter me sentido mais feliz do que triste?

– Só se você achar insensível que eu tenha me sentido mais feliz do que triste.

Beomgyu tinha quase a minha idade, ele riu como um adolescente, seus lábios estavam roxos e seus braços tinham resquícios de quem fora beijado pelo vento da meia-tarde.

Não estava frio o bastante para que eu não retirasse minha própria jaqueta e colocasse-a sobre os ombros dele. Não estava frio o bastante para que ele sentisse frio. Sentiu.

Os olhos do menino ainda eram doces, infantis, mesmo que estivessem cobertos por delineador preto, mesmo que suas palavras fossem tão amargas quanto folhas verdes, ainda que bem lavadas. Talvez ele não fosse realmente feliz como seu riso límpido demonstrava.

– Que droga, somos realmente insensíveis, então.

– O que é ser insensível, Beomgyu?

Abri um pirulito de uva, o mais detestado pelo meu paladar exigente, rodopiando-o sobre meus lábios. Do banquinho onde estava eu olhei para o horizonte, as árvores estavam em sua estação colorida e a praça vazia, com exceção de duas crianças na balança velha e enferrujada. Lembrei-me dos velhos tempos; era eu, um garoto de cabelos avelã, uma gangorra e uma felicidade inteira para narrar. Não era meu passatempo favorito, mas acompanhei Beomgyu como quem acompanhava sua sombra.

Enfiei a mão no bolso e entreguei outro do doce para Beomgyu, mas era uva também e ele odiava. Acabei por trocá-lo por outro de sabor de morango, combinava com ele e sua preferência por frutas vermelhas.

– Sei lá, porra.

Eu o ignorei, mas meus lábios ainda sorriram de forma imperceptível. Que garoto, que tentativas de ser rebelde. Não funcionou, eu ri. No fim, restando apenas o palito entre meus dentes em uma mania de tempos atrás, tempos de infância, beijos da mãe e abraços do pai, eu apenas baguncei levemente os cabelos tingidos de preto de Beomgyu, toques tão leves quanto o sopro primaveril em uma pétala de cerejeira.

– Sinto muito pelo seu pai.

Como quem tinha um cigarro entre os lábios, Beomgyu desviou os olhos marrons de emoção distante. Ninguém sabia o que ele pensava, mas suas palavras soaram como mentiras e eu não o questionei, apesar de ter formulado tantas perguntas em minha mente inquieta; ele não responderia nenhuma, de qualquer forma.

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