Correndo Perigo

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Aeryn

Depois que a fêmea cuidou da fratura do osso em minha asa e saiu do aposento, não demorou a voltar, me servindo com uma bandeja onde um café da manhã cheiroso e fresco se encontrava.

- Coma tudo, precisa se alimentar bem e recuperar o que foi perdido - dizia a curandeira enquanto me entregava a bandeja que apoiei em minhas pernas.

Encarei o conteúdo, não sabendo ao certo se conseguiria comer alguma coisa. Haviam panquecas com mirtilos, morangos e mel em um pires delicado, cubos de frutas em um outro recipiente igualmente refinado, e uma taça de porte simples com uma bebida pálida e com rodelas de limão dentro do conteúdo.

- Vou deixá-la a sós, imagino que prefira ficar sozinha - sugeriu a fêmea.

- Obrigada - foi o que disse voltando o olhar para ela.

Esperei a fêmea ir embora e então belisquei as panquecas, divagando se seria burrice não comer nada. Mas sabia que seria. Precisava me alimentar e recuperar as forças, me curar logo e voltar a voar antes que me encontrassem de novo e eu estivesse em perigo. Assim como todos em minha volta.

Mastiguei um pedaço de panqueca com raiva, pensando nas consequências que a minha presença em Velaris poderia causar se os que me perseguiam descobrissem que eu estava refugiada aqui. Sabia que a cidade era muito bem  protegida, contando com uma legião bem treinada de Illyrianos e soldados leais, mas eu não duvidava da astúcia da morte, muito menos tinha medo dela.

Comi as panquecas como se estivesse fincando um adaga no coração de alguém em vez de um garfo na comida, e virei  a maior parte do conteúdo ácido da taça na boca, tentando me acalmar.

Engoli o líquido abruptamente, sentindo o corte no abdômen recém tratado fisgar de dor. Em seguida comi as frutas, pensando em como mataria cada um dos desgraçados que tentassem roubar o meu poder novamento. O pensamento fez as runas de contenção que desciam pela minha coluna arderem como fogo em brasa, a acalmei meu poder que efervescia por de baixo de minha pele mais pálida que o habitual.

Bebi o resto do conteúdo ácido, me virando lentamente para colocar a bandeja no criado mudo logo ao lado da cama. Me irritei quando encarei a janela com a cortina aberta deixando a luz da manhã entrar e percebi que não havia nada para fazer.

A ideia de explorar a Casa era tentadora, mas minha recuperação era mais importante, então permaneci quieta.
Forcei as minhas Sombras e minha mente a vagarem pelos arredores de Velaris, me sentando na cama, e permanecendo no mesmo lugar e dentro da Casa do Vento, enquanto minhas Sombras vagavam para além do cômodo do quarto.

As Sombras se condensaram em torno de meus dedos pálidos, subindo pelos braços, e se espalhando pela envergadura das asas até se enroscarem nas pontas afiadas. Senti as acariciando minha nuca e me ajeitei ereta na cama, enquanto minhas Sombras se condensavam a medida que meu poder reverberava sob a pele e se expandia pelas veias com sangue ancestral.

Fechei meus olhos, apoiando as palmas das mãos viradas para cima sobre meus joelhos dobrados. Minha mente se abriu e senti a magia dentro de mim. Poderosa e sendo parte de mim.

Depois de vagar no escuro das Sombras eu os vi. Vi homens usando as mesmas armaduras com capas vermelho sangue esvoaçando atrás das costas, e meu poder zuniu, fazendo as runas de contenção queimarem em brasa.

Chiei sentindo a dor e retesei a coluna puxando uma respiração pesada.

Eles estavam a caminho.

Uma outra remessa da mesma legião que me atacara a poucos dias atrás estava a caminho.
Estavam vindo buscar minha cabeça para entregar a corte e impedir que a profecia fosse realizada, roubando meu poder para si antes de tirarem a minha vida, e impedindo que eu destruísse sua corte maldita.

Eu não deixaria.
Lutaria até a última gota de meu sangue cair se fosse necessário, mas não me renderia.
Eu não havia me escondido as claras por tanto tempo para morrer agora.

Minhas mãos começaram a tremer com o esforço que as Sombras estavam exigindo para manter a visão. Meu poder estava enfraquecido, e exigia mais esforço agora que eu estava me recuperando dos ferimentos e ainda sentia dor.

Havia vários deles, cerca de 500 soldados bem armados e treinados, prontos para matar, mas não invencíveis.
Tentei identificar onde estavam, mas senti seu poder antes de sua presença se materializar.

O Grão-Senhor da Corte Noturna estava a caminho, pude sentir. Abri os olhos abruptamente e meu poder recuou sob a pele, acalmando as Sombras e as deixando menos densas conforme se desenroscavam de minhas asas e meus braços, girando aspenas ao redor dos pulsos e em torno dos dedos.

Respirei fundo para estabilizar a respiração e estiquei as pernas sobre a cama, um segundo depois da porta se abriu, e seu poder encher o cômodo, trazendo seu dono consigo.

- Espero que esteja se recuperando bem Aeryn - o Grão-Senhor se dirigiu a mim com condescendência, parando a um metro de distância da cama.

- A Curandeira deve ter lhe contado que não estou cooperando - disse com um tom de irônia na voz, um sorriso tímido se formou nos lábios do Grão-Senhor.

- Certamente. Mas não estou aqui apenas para saber se está bem - continuou ele voltando a seriedade habitual em seu tom de voz. A postura como o alguém de poder que ele era.

- Está aqui para obter informações é claro - ponderei, deixando a expressão séria agora.

- Faz parte do processo - ele arqueou as sobrancelhas - e você sabe disso se diz ser uma espiã.

- Afirmar que realmente sou não vai inibir a sua dúvida, e seu poder Daemati não vai funcionar em mim, então sugiro que descubra no processo.

- E eu sugiro que colabore, mas se esse não for o caso, tenho alguém experiente em descobrir a verdade - desafiou.

- O seu Encantador de Sombras? - sugeri, ser um Encantador de Sombras por si só já era uma dádiva para espionagem, e o Illyriano misterioso de mais cedo parecia ter aptidão para tal.

- Vejo que já conheceu Azriel - havia uma nota de surpresa em sua voz, mas sua expressão continuou séria.

Azriel. Então esse era o nome do Encantador de Sombras.

- Eu tive um sonho não muito agradável ontem a noite, e aparentemente gritei. Ele veio verificar se estava tudo bem, e disse que eu parecia estar sendo torturada - disse sem vergonha alguma de contar o que aconteceu.

Eu era uma espiã, tinha que aprender a lidar com a verdade, assim como com a mentira.

- Isso explica muita coisa - disse simples, e percebi que ele queria mencionar algo a mais quando disse muita coisa.
Resolvi deixar o pensamento de lado, ele não falaria de qualquer forma.

- Evita o desperdício de seu valioso tempo - falei sem emoção, apesar de querer ter dito isso com irônia.

- Espero que tenha disposição para contar a verdade assim como tem ousadia para se dirigir a mim - disse com superioridade, meu lado sarcástico quis rir por tê-lo irritado mas me controlei mantendo a expressão séria.

- Ou vou ser ameaçada com uma adaga em minha garganta, ou estripada até contar a verdade - completei, sabendo exatamente como eram os meios que o Encantador de Sombras deveria usar para obter a verdade dos condenados ao seu julgamento.

- E isso não parece distante para você - rebateu com o queixo erguido.

- Vocês precisariam de muito para me obrigar a falar a verdade se me forçassem a fazê-la, mas eu estou disposta a falar a verdade Grão-Senhor - parei por um segundo para encarar seus olhos violetas antes de dizer - Estamos correndo perigo.





Herdeira das Sombras  | Azriel |Onde histórias criam vida. Descubra agora