Sombras que Sussurram

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Aeryn

Quando a Curandeira entrou com passos rápidos pelo quarto, logo que a primeira luz da manhã apareceu, eu ainda estava sentada no estofado logo abaixo da janela.

Encontrei o olhar furioso da fêmea ataracada e desejei estar na cama. Ela parecia querer me estripar enquanto me encarava sentada ali e sem a asa enfaixada. Me coloquei de pé em um pulo quando ela começou a xingar em voz alta, e eu mesma me xinguei quando senti o corte do abdômen doer.

- Pelo caldeirão, o que você está fazendo aí menina!? - me advertiu caminhando rapidamente em minha direção e me segurando pelo braço.

- Não consegui voltar a dormir - disse simplesmente, enquanto ela me fez caminhar lentamente até a cama.

- Devia ter ficado na cama, você não está curada ainda, e ficar zanzando por aí vai atrasar o processo, menina tola - me advertiu mais uma vez, e me sentei na cama, lembrando da semelhança em seu tom com o da minha mãe quando eu me esfolava brincando de espada enquanto criança.

Afastei o pensamento não querendo sentir o vazio de sua falta agora, e me concentrei na dor que viria quando a mulher tirou da bolsa um frasco que imaginei conter o mesmo bálsamo que manchava a faixa.

- Além de não descansar, tirou a faixa do ferimento! Eu não vou poder ajudar se continuar assim - disse irritada.

Ótimo jeito de começar a manhã, pensei.  Levando sermão de uma Curandeira Feérica com a idade suficiente para ser minha avó.

Suspirei pesadamente.

- Estava me incomodando - rebati.

- Isso não é motivo menina! Agora deite - mandou caminhando para a lateral da cama ampla.

A obedeci, deitando vagarosamente e ajeitando a asa machucada de maneira que ficasse esticada encima da pilha de travesseiros amassados.

- levante a camisola, preciso limpar o corte no abdômen - pediu com o olhar um pouco mais suave. Sabia que mais dor estava por vir.

Fiz o que ela mandou, e puxei a camisola até ficar acumulada logo abaixo de meus seios, deixando meu abdômen e pernas expostas. Estava vestida com uma combinação de renda preta, e imaginei quem poderia ter a encontrado para mim. Talvez a Grã Senhora? Já havia ouvido sobre ela, mais isso realmente não importava agora.

Os dedos habilidosos da fêmea tiraram o curativo, e encarei o corte irregular e agora menos profundo, na diagonal. Meu peito subiu e desceu com uma respiração tensa.

- Eu vou limpa-lo e passar o bálsamo em seguida. Tente não se mexer, isso vai doer - sua voz estava calma agora, mais isso não me tranquilizou, me deixou ainda mais inquieta.

Fechei os olhos quando senti a água ardente tocar o corte para linpa-lo, e afundei os dedos nos lençóis grunhindo com a dor.
Tentei concentrar a mente na técnica das Valquírias em deixar a dor passar e não senti-la realmente, mas parecia ser impossível.

A dor era excruciante, e a medida que a fêmea pingava água ardente como brasa para limpar o corte um novo grito escapava de minha garganta.

- O veneno atrasou a cura e está intensificando a dor, fiz o possível para tirar o máximo com magia, mais ainda há resquícios impregnados em seu organismo. Sinto muito - ela dizia, mas eu mal ouvia em meio a dor e o zunido em meus ouvidos.

Suor se acumulou em minha testa,  e senti uma lágrima solitária descer pelo canto do olho.

Arfei quando a fêmea finalmente parou de pingar a água na carne viva, mais ainda não tinha acabado.
Segundos depois senti o bálsamo se misturando com a carne e músculo expostos, e trinquei o maxilar com a ardência, cerrando os dentes.

Herdeira das Sombras  | Azriel |Onde histórias criam vida. Descubra agora