Maldito Propósito

631 84 5
                                    

Aeryn

- Ele está te esperando morceguinha - sangue borbulhou em sua boca mais uma vez, e escorreu pelo seu queixo.

Ele não demoraria a morrer, seus órgãos internos já estavam entrando em hemorragia.

Cerei os punhos ao lado do corpo e me controlei para não olhar para Azriel, ao perceber pela minha visão periférica que ele estava me encarando com a expressão de quem está esperando você cumprir um desafio e sair como perdedor.

- Isso torna tudo mais fácil - aleguei dando passos calmos em frente a cadeira lnde o macho estava preso. Sua respiração estava ficando cada vez mais descompassada, e suor se acumulava em sua testa.

- Você pode resolver colaborar comigo, ou - saquei minha adaga da cintura, e a analisei antes de prosseguir- seguir por um caminho bem mais difícil e doloroso, o que certamente vai tornar a sua morte algo torturante.

O macho permaneceu em silêncio, assim como o olhar de Azriel que parecia pesar sobre meus ombros. Agi sem ter a mínima paciência.
Num segundo levei a ponta afiada de minha adaga ao ponto logo abaixo do queixo do macho, a firmando para cima, e fazendo com que sua cabeça se erguesse.

- O que ele busca nestas terras além de mim e meu poder? - indaguei ameaçadora.

- Você é tão poderosa, mas é tão tola ao achar que é capaz de reverter o que ele injetou em você - terminou a frase de voz rouca com mais uma risada de vidro estilhaçado.

Paralisei por um momento no mesmo segundo que assimilei o que o macho imundo acabará de dizer.
Pressionei a adaga firme contra sua pele, até um filete de sangue começar a escorrer.

- Do que você está falando!?- exigi saber entre dentes.

- Ele vai conseguir o poder...- ele convulsionou e sangue borbulhou em sua boca - ...todo o poder, antes que - uma tosse se seguiu, enquanto ele cuspia mais sangue - ... você termine de morrer....

O macho começou a convulsionar sem parar, e sem pensar direcionei meu poder a sua mente, senti a magia que impedia qualquer revelação explícita sair de sua boca, pesada e corrosiva, envolvendo tudo escondido no centro do crânio.

Forcei o poder, e nada aconteceu, senti a raiva passear pela minha pele. Porque não estava acontecendo nada? Porque a magia não estava se quebrando?
Mas já era tarde, num tremor súbito a vida se esvaiu de seus olhos. E talvez a minha também estivesse sido acabada de ser condenada a morte definitivamente.

Rosnei com ódio puro me sufocando. O ferro frio da adaga ferindo minha mão enquanto a apertava com força.

- Está feliz agora Encantador? Você acabou de mata-lo e não descobriu nada! - minha voz estava alterada, não sabia se era a raiva, ou o pânico que começou a gelar o sangue em minha veias quando me voltei a ele.

- Fiz o que precisei fazer, só está com raiva porque ele morreu antes de você conseguir provar que era melhor do que eu Aeryn  - ele deu um passo a frente, se aproximando, sua voz subiu apenas um tom, e a calma fria e mortal ainda estava em seu rosto, o que de alguma forma me irritou mais ainda.

Dessa vez eu caminhei alguns passos para frente e parei a um metro de distância dele - Acabamos de perder a chance de descobrir mais informações que estão penhorando nossas cabeças, e você acha que eu estou me importando se sou melhor do que você!? - vociferei, minhas Sombras estavam se condensando em torno de meus dedos.

- Você devia tomar cuidado com o jeito em como fala comigo Aeryn - avisou, a voz ameaçadora fazendo meus braços arrepiarem. Mas sabia que não era medo, era algo diferente, algo que no momento não conseguiria parar para decifrar.

- Ou o que Azriel? Pretende lutar comigo, ou quem sabe fazer com que todos aqui se voltem contra mim? - indaguei ávida por respostas, enquanto as Sombras dele começavam a ficar cada vez mais escuras.

- Você só está aqui porque Rhys tem motivos para te manter aqui, e porque isso tudo vai muito além do que a sua rebeldia - falou ele começando a elevar o tom da voz. Mas minha paciência já estava a muito esgotada.

- Qual é o seu problema comigo!? - disse exaltada, buscando entender o motivo de tanta desconfiança.

- O que prova que você não é uma manipuladora? Uma espiã do próprio Rei? - perguntou.

- Eu estou lutando contra aqueles que avançam sobre está Corte, estou compartilhando informações sobre o meu poder e estou confiando a vocês o meu próprio sangue - vociferei, chegando mais perto a cada palavra. Tinha certeza que ira e raiva queimavam em meus olhos - E você acha que estou do lado de um macho ambicioso só porque tem medo de que eu possa me provar melhor do que você Encantador??

- Você acha mesmo que vou duvidar de mim mesmo por conta de uma Feérica mal criada e mandona? - disse confiante de si mesmo, e como se estivesse falando com uma criança mimada.

Foi o que bastou. Num segundo  desembainhei a adaga do cinto e a levei a ponta de seu queixo. Raiva gélida e pura cintilou em seus olhos, e teria sorrido se ele não tivesse agarrado meu pulso e puxado meu braço para baixo, fazendo a adaga cair para longe com o movimento abrupto.
No segundo seguinte senti sua mão em meu outro pulso, e quando dei por mim estava presa contra a parede.

Um silvo de dor saiu de minha garganta quando senti o baque da pedra em minhas asas, e quis socar Azriel no mesmo instante.

Seu corpo era como uma segunda parede em minha frente, o peito musculoso subindo e descendo rapidamente com a respiração acelerada, enquanto fios de cabelo rebelde caíam sobre seu rosto frio e malditamente encantador.

- E agora, continua achando que pode se sair melhor sobre mim Aeryn? - havia uma ponta de irônia misturada com a raiva em sua voz.

*Continuo* sibilei em sua mente, um lugar ladeado por algo forte e magnífico, onde se escondiam os mais incontáveis segredos.

- Acha que sabe tudo sobre mim, mas ainda não viu nada Mestre-Espião - mal terminei a frase quando senti ele apertar com mais força meus pulsos contra a pedra úmida da montanha.

- Eu não vou deixar você....- ele parou no mesmo momento em que paralisei.

Nossas Sombras começaram a se misturar, formando um véu negro como a noite ao nosso redor. Sem entender nada apenas as observei, e ele parecia fazer o mesmo, enquanto os sussuros começaram a se misturar e a ficarem mais altos, minha cabeça latejou, e fechei os olhos fortemente por um instante.
Quando os abri, encontrei Azriel me fitando, e foi quando os sussuros se tornaram nítidos em nossos ouvidos

Semelhantes, no poder e no destino - as Sombras sussurraram.

Azriel soltou meus pulsos, e senti aquele estalo de outrora no fundo da mente, assim como senti meu poder percorrer as veias e formigar em meu sangue.

Ele me olhou uma última vez antes de se virar e sair apressado, e não soube o que ele estava sentindo, era um emarranhando de emoções retraídas que
fizeram meu coração fisgar com algo que não entendi o que significava.

Minhas Sombras continuavam densas, e tentei acalmar a respiração, mas de nada adiantou, estava sentindo uma aperto no peito que não conseguia explicar, algo como agonia. Mas que sentindo isso tinha se estava sentindo raiva dele a um momento atrás?

Cerei os punhos ao lado do corpo frustrada com tudo aquilo, e deixei a alcova ensanguentada e o corpo morto do macho para trás, caminhando com passos pesados e apressados para fora da montanha.

Os ossos velhos estalavam a cada passo que minhas botas tocavam no chão, e comecei a me irritar com o barulho incomodativo.
Andei sem parar, apenas sentindo raiva e o poder formigar sob a pele, e quando finalmente saí da montanha, algo passou pela minha mente e me fez paralisar.

Mas era improvável, não tinha como ser, não quando minha existência servia a um único e maldito propósito.

Azriel e eu jamais seríamos parceiros.

Herdeira das Sombras  | Azriel |Onde histórias criam vida. Descubra agora