Revivendo o Caos

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Aeryn

Depois de horas me virando na cama e dormindo em períodos de tempos que eram cortados por fragmentos de lembranças indesejadas, o dia finalmente estava começando a amanhecer.

A manhã ainda estava por vir, mas não suportaria mas nenhum segundo naquela cama sendo entorpecida por lembranças que me assombravam.

Levantei num movimento ágil, como se o cansaço em meus músculos não me pertencesse, e me dirigi ao banheiro, me encarando no espelho enorme, encontrei meus cabelos ainda presos em uma trança e minha camisa de botões branca ainda do dia anterior toda amassada.
Liguei o registro da água para encher a banheira, e só então lembrei do corte em minha coxa.
Já estava tão acostumada a sentir esse tipo de dor e a carregar ferimentos de luta, que a dor passara a não ser mais um grande incômodo.

Analisei a extensão do corte que já estava quase totalmente cicatrizado graças ao poder Feérico natural, e sorri para mim mesma lembrando que havia valido a pena. Principalmente porque o Grão -Senhor havia testemunhado a minha vitória.
As Sombras acariciaram meu pescoço sentindo minha satisfação, mas também minha frustração.

Era inevitável não me sentir frustrada em relação a tudo, em relação a qualquer coisa sendo que minha vida era movida por um único propósito que nem era meu.
Como uma alfinetada na ferida ainda semi aberta em minha coxa, lembrei do veneno correndo em minhas veias, lento e mortal, me matando aos poucos. Comecei a me perguntar quando meu poder iria começar a enfraquecer e a me reduzir em nada.
Senti vontade de gritar. Esmurrar a parede ou me jogar em queda livre do alto da montanha.

Mas apenas serei os punhos e respirei forçadamente, guardando a raiva, a acumulando, pois sabia que todo o ódio que sentia iria vir a ser útil quando enfrentasse aquele maldito Rei. Como se em resposta ao meu pensamento, as Runas de Contenção ferveram em minhas costas e o poder formigou sob minha pele. Mas eu precisava me controlar.

Encarei o dia amanhecendo pela grande janela recortada na rocha da montanha, e suspirei, pensando em como tudo podia ser diferente, em como podiam ter escolhido qualquer outra pessoa. Pensei em como eu seria uma Guerreira Illyriana, Filha das Sombras, sem o título de Herdeira. Sem a profecia. Sem a morte me rondando. Dona do meu próprio destino.

Mas eram apenas pensamentos, algo passageiro, algo ao qual eu não podia sonhar pois eu estava atrelada a algo que não era, e não seria passageiro. Seria duradouro, um fato marcado na história de Prythian onde gerações e gerações irão saber que o povo Feérico foi salvo pela Herdeira das Sombras, mas nunca nem vão saber seu nome, nunca  vão saber quem foi.
Nunca vão saber quem eu fui, pois eu vou dar a vida a muitos e acabar com a  minha.

Isso se eu não morrer pelas mãos do Rei e não pelas mãos da Profecia.

Submergi todo o corpo embaixo da água da banheira logo que entrei, fechando os olhos e apenas sentindo a água ao meu redor, tentei não pensar, não sentir o veneno percorrer meu sangue sabendo que ele estava ali agora, mas só tentei.
Submersa na água, só percebi que estava afundando cada vez mais, e eu não sabia se um dia iria conseguir alcançar a superfície novamente.

Levantei as costas da parede da banheira e puxei o ar com força quando minha cabeça saiu para fora da água, antes que meus pensamentos me sufocassem e eu não conseguisse mais respirar.
Passei as mãos em meus cabelos enxarcados e encarei a água refletindo meu rosto pelo que pareceu uma eternidade, mesmo sendo apenas alguns poucos minutos.

Olhei uma última vez para a janela, para Velaris lá em baixo, o dia estava mais claro agora, e os Feéricos começavam a dar vida as ruas e avenidas ao longe.

Por um vago momento me imaginei vivendo aqui, na Corte Noturna, na corte onde a noite e as Sombras eram bem-vindas, onde lá no fundo do meu coração eu queria ser bem vinda. Mas tudo não passava de imaginação.

Herdeira das Sombras  | Azriel |Onde histórias criam vida. Descubra agora