Capítulo 1 - Downpour

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A chuva hoje está mais forte do que a de ontem e vejo que em breve terei que ir na cidade comprar mais mantimentos.
Esta semana tem sido crucial pra mim, preciso manter a minha decisão.
Depois de todas as palavras que foram ditas e de todas as provas que mostraram o fato de que estávamos perdendo nosso tempo, não posso recuar agora.
Desistir não é uma opção, levei um bom tempo para enxergar a infecção das feridas que causamos um no outro.

Sim... Vendo as gotas dessa chuva escorrendo pelo vidro da janela, lembro de todas as lágrimas que derramamos após nossas brigas e nossos rompimentos.
E ainda eu as derramo em minha alma, ainda sinto a sua falta e me odeio por ainda te amar, mesmo depois de tudo.
Mas ainda está recente... Deve ser por isso.
Consigo fechar os olhos e sentir seus lábios beijando minha boca, ainda consigo respirar fundo e sentir o cheiro do seu perfume no ar.

Me perdi tentando encontrar o caminho certo até você e fiz coisas pelo qual me arrependo muito.
A pior delas é ter me diminuído para caber na caixinha que é seu modo de ver a vida.

Me olhar no espelho e não reconhecer mais quem sou foi o ápice da perda do que eu tinha de mais precioso, meu amor próprio. Como pude me permitir chegar neste ponto?
Eu só quero voltar a me sentir eu mesmo e quem sabe receber de alguém o quê você nunca foi capaz de me dar.

Exatamente faz seis meses que me enchi de coragem e cometi uma loucura.
Saí do meu emprego, vendi meu apartamento, meu carro e resumi a minha vida numa mochila e na minha câmera fotográfica.
Sabe de uma coisa? Não me arrependo, devia ter feito isso muito antes!
É um pouco solitário, mas foi pior estar vivenciando a solidão com uma multidão á minha volta do que estar sozinho realmente.

Estou nesta cabana há quase um mês por causa da temporada de muita neve e está muito frio lá fora para acampar.
Sentado aqui diante da mesa com minhas papeladas, mapas e anotações, tomo o meu café que acabei de passar enquanto reviso meu cronograma para quando chegar a primavera.
Está faltando menos de uma mês para a estação das flores começar e será maravilhoso me aventurar nas florestas e escalar algumas montanhas.

Meus equipamentos estão prontos, só faltam mesmo os mantimentos.
Em minhas mãos admiro minha bússola nova, a que comprei para uma trilha que fiz com os amigos da escola no ano passado, infelizmente caiu quando eu escalava uma grande pedra para fotografar o amanhecer.
Perdi a bússola, mas conseguiu fazer fotos maravilhosas que com certeza me rendeu uma boa grana.

Em seis meses já vi e vivi tantas aventuras e conheci pessoas espetaculares que as levarei em meu coração para sempre.
Nossa! Como essa tipoia incomoda! Ainda bem que falta pouco para receber alta do médico. Além do frio e da neve, o quê me fez alugar esta cabana mobiliada foi o deslocamento do meu ombro esquerdo.
Fazendo o quê?
Tentando sobreviver uma avalanche numa montanha aqui perto.
Faz parte, já torci meu pé ao me aventurar pelas matas e quase fraturei meu pulso ao evitar de perder minha mochila com minha câmera fotográfica, derrapei feio em folhas secas, mas não perdi meu equipamento.

De vez em quando entro em contato com meus amigos do colégio pelas redes sociais e os mantenho informados por onde estou.
Meus pais de início ficaram chocados com o estilo de vida que escolhi, mas entenderam minha escolha. Ao menos uma vez por semana falo com eles e isso os deixam tranquilos.
Meu irmão mais velho, Seonghwa está para me encontrar mês que vem.
Ele vai estar de férias e quer passar um tempo comigo, estou ansioso por isso.
Vou mostrar tudo que tenho documentado sobre minhas viagens em meu diário, ele me lembra disso sempre que nos falamos. Está muito curioso em saber com detalhes em como é ser um mochileiro.

Na verdade, estou aprendendo na prática.
Sempre achei interessante este estilo de vida e os vídeos sobre o assunto eram os meu favoritos no YouTube.
Semana passada, um amigo meu me fez uma pergunta...

" Ming, fala a verdade pra mim. Por quê abandonou tudo para viver assim? Não se sinta ofendido, estou extremamente curioso."

Bem, as circunstâncias me levaram à isso.
Me perdi de mim desde que me apaixonei por Tessa, uma colega de escola. Meus amigos vendo a dedicação que eu dava à ela me alertavam que algo estava errado. A balança estava desigual, onde eu me entregava por inteiro para nosso relacionamento e o quê eu recebia em troca eram sobras.
Eu dizia à eles que estavam exagerando, que o jeito dela era aquele, que ela me amava quanto eu a amava também.
Eles estavam certos e eu errado.
Podem até se perguntarem por aí
" O quê um rapaz de apenas 23 anos sabe da vida e do amor?"

Cansei de ser menosprezado por amar, por ser jovem, por não ter muito dinheiro, por amar coisas simples da vida e por qualquer outra coisa!
Eu sei quem sou e reconheço o meu estado... Estou ferido e sem esperanças no quesito relacionamento. Mas do meu caráter e da minha índole ninguém pode questionar! Meus pais souberam me criar bem, tenho muito orgulho da família e amigos de verdade que Deus me deu.

Sou jovem, mas passei por tanta coisa que me sinto no mínimo na casa dos 30 anos.
Amadureci bastante, tive que amadurecer para não enlouquecer e me entregar aos impulsos ruins que sobrevieram na mente.
Tentei fazer terapia para lidar com minhas inseguranças e baixa estima. Meu psicólogo foi fundamental para não pirar e acabar fazendo bobagens.
Ainda Tessa e eu namorávamos quando comecei meu tratamento com o Doutor Stevens. Toda vez que me sentia um lixo ou brigávamos, me cortava.

Por isso não julgo ninguém que passa por essas coisas.
É bem complicado para pessoas que como eu sofrem de ansiedade ou depressão, sempre nos enxergam como fracos, pesos mortos na sociedade.
Eu sei que não são todos que pensam assim, mas já vi alguns que sem querer nem mesmo percebem que nos causam gatilhos dolorosos.

Depressão não tenho, o quê tive foi uma tristeza muito profunda que quase me levou à depressão.
Na clínica conheci muitos com depressão e aprendi muitas coisas com eles.
Quando posto uma fotografia e vejo comentários de alguns deles dizendo em como se sentem bem com as fotos que faço e meus outros posts, fico feliz pra caramba!
Mesmo que seja um pouquinho, se os fazem se sentir bem e inspirados pela vida, sinto que estou contribuindo para o mundo deles ser melhor.
E isso não tem preço!

Essa chuva parece que não vai passar tão cedo...
Me levanto para ver melhor a paisagem pela janela.
Não dá para ver muita coisa, está com muita neblina.
Vou ter que esperar mais um pouco para ir à cidade, talvez só amanhã será possível ir lá.
Vou aproveitar para ler um pouco, estou lendo um livro interessante sobre lobos.
Afinal, preciso entender bem sobre eles. Estou com um agora mesmo dormindo perto da lareira. Quer dizer uma, ela é filhote, pelo o quê a veterinária me disse, deve ter uns quatro ou cinco meses de idade.
Não sei se fui eu que a achei ou se foi ela que me achou, mas ela e eu nos tornamos inseparáveis há uns dois meses.

Dei à ela o nome de uma personagem de anime que gosto muito, Violet Evergarden.
Sei que deveria entregá-la à algum órgão de proteção aos animais selvagens, mas como a própria veterinária disse, provavelmente ela estava sendo criada em algum cativeiro. Seu comportamento é de um cachorro domesticado, com certeza não sobreviveria na natureza sozinha.
Por isso a adotei e será a minha companheira nas minhas viagens e aventuras.

Pelos meus amigos, familiares e pelos novos amigos que tenho feito, decidi fazer mais do que postar fotografias, irei escrever mais sobre minhas aventuras. E voltando a falar sobre aquele meu amigo curioso, eu não falei em detalhes sobre os acontecimentos que me levaram à este estilo de vida.

Mas ao estar "preso" nesta cabana, minhas lembranças me fazem revisitar os acontecimentos que me trouxeram até aqui.
Algumas coisas ainda doem e outras nem tanto, mas sei que um dia elas serão apenas memórias de uma época que antecederam a minha melhor fase de vida que está se construindo à cada passo que tenho dado em direção ao futuro.

Hoje quando me olho no espelho, consigo enxergar o fantasma do meu eu passado começando à se dissipar, dando lugar ao meu eu que quero me tornar.
Eu sei que vou conseguir chegar lá, um dia de cada vez, dando um passo de cada vez.
Me formei em fotografia, hoje sou um mochileiro e compartilho em fotos a minha aventura em busca de descobrir meu destino.

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