S02E14

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Cameron achava que não costumava ser o tipo de pessoa que agia sem pensar. Ele preferia pesar todas as possibilidades antes de agir, não gostava de deixar a emoção vencer, apesar de costumar se deixar levar muitas vezes. Era claro que ele quebrava a cara em todas as vezes, não era uma exclusividade do seu relacionamento com Steffan.

Ainda assim, ele realmente tinha achado que tudo estava acabado, que apenas veria Steffan em entrevistas ou numa possível terceira temporada. Ele nunca imaginou que estaria pegando o Eurostar de última hora para correr até Steffan.

Ayla tinha dito que estava extremamente preocupada, que ele não estava respondendo mensagens ou atendendo ligações, e que, como era o dia do julgamento, ela pensou que era melhor que alguém estivesse com ele. Cameron tentou protestar e dizer que eles não tinham mais nada entre eles, que tinham discutido feio, mas Ayla estava em tour e não podia ir.

Cameron pensou em não aparecer. Ele achava que Steffan não merecia sua preocupação, mas, ao mesmo tempo, ele também sentia que era injusto ter que ficar sozinho num momento como aquele. Em seu coração, ele já sabia que Steffan tinha sido abusado quando criança. Aquilo não era uma desculpa para a forma como ele agia, mas, ao menos, era uma explicação.

Cameron não poderia perdoá-lo de uma hora pra outra, mas não conseguiria ser tão cruel ao ponto de ignorar quando Steffan precisava de ajuda. Depois poderiam resolver se ficariam brigados, se nunca mais iriam conversar, se iriam virar apenas amigos, ou... se conseguiriam voltar ao que eram antes.

Cameron olhou pela janela. Fazia muito tempo desde que ele tinha feito aquela viagem. Da última vez, tinha ido com alguns colegas da escola, logo depois da formatura. Ele se lembrava de ter torcido a viagem toda para que encontrasse com Steffan em Paris. De uma forma ou de outra, Steffan sempre estava presente em suas lembranças, mesmo que não estivesse lá de fato. Não adiantava ter tirado todos os pôsteres da parede (coisa que ele fez no mesmo dia da discussão): era como se, por ser tão famoso, Steffan fosse onipresente.

Mesmo antes, ele gostava de imaginar Steffan sendo o homem ideal: bonito, simpático, respeitoso... mesmo quando as coisas foram diferentes do que em sua imaginação, Cameron não conseguiu fugir. Ele já estava completamente hipnotizado pela presença dele.

O lado positivo de ficarem distantes era que ele finalmente notava o quanto tinha sido obstinado durante toda a sua vida por outra pessoa. Ele era apenas uma pessoa. Podia ser famoso, rico, talentoso, mas continuava sendo apenas uma pessoa. Apenas uma pessoa que parecia estar precisando de ajuda.

Assim que desceu do Eurostar, Cameron admitiria facilmente estar perdido. Ele sabia que pedir um táxi naquele lugar era loucura, iriam cobrar mais caro só porque ele era "turista". O pior era que o máximo de francês que ele sabia era por repetir frases de filmes franceses que Steffan tinha participado.

Ainda assim, ele não teve nenhuma opção a não ser aceitar que ficaria muito mais pobre só para chegar até o hotel.

-Je... voux... ici... (Eu... vou... aqui...) -Cameron falou com dificuldade para o taxista, apontando para o hotel em seu celular.

-Yu restes là ? J'ai entendu dire que seuls les millionnaires y séjournaient.

Cameron tombou a cabeça, sem entender uma palavra que aquele homem dizia.

Por sorte, ele pareceu compreender que o ator não sabia francês, e apenas dirigiu até o hotel por um valor três vezes mais alto do que Cameron esperava.

Ainda assim, Cameron só pôde agradecer:

-Merci.

***

Steffan levantou o rosto, tentando apagar aquele tipo de pensamento. Ele não podia fazer aquilo. Seria apenas assinar um atestado de que ele não era nem corajoso o suficiente para participar da audiência.

Mas a verdade era que ele não era nem corajoso o suficiente para tomar uma decisão daquelas. Ou melhor: no fundo, ele ainda tinha alguma esperança. Esperança de que ele poderia mudar, poderia se relacionar normalmente, poderia ter um futuro normal, sem esperar que apenas seu emprego preenchesse 100% do seu tempo para poder ignorar seus pensamentos.

Um dia os pesadelos tinham que acabar. Um dia sua mãe deixaria de trazer todos as lembranças ruins. Um dia ele poderia ter uma família.

Ele sabia que tudo dependia dele, e isso era aterrorizante. Tudo na vida dele vinha de bandeja: trabalho, dinheiro, contatos, itens de luxo que ele recebia apenas por ser famoso. A única coisa que ele tinha que correr atrás era de conexões reais com outras pessoas, mas era a parte mais difícil.

Falar sobre seus sentimentos, contar o que pensava, dizer sobre seu passado... aquilo era como ficar nu na frente de uma audiência. Isso sem contar seu medo irracional de que tudo fosse parar em sites de notícia se acabasse se abrindo para a pessoa errada.

Eram preocupações infinitas. Novamente era como se ele estivesse transbordando. Ele sabia a única solução: partilhar tudo com outra pessoa, dividir.

Steffan ouviu a batida na porta. Não podia ser seu motorista. Ainda faltava algum tempo para o julgamento, a não ser que ele tivesse perdido completamente a noção, o que ele não duvidava em meio a uma crise de ansiedade. Já tinha acontecido antes.

Ele não respondeu, torcendo para que fosse engano ou para que a pessoa simplesmente desistisse e fosse embora. Seria pior ainda se fosse um fã que tinha conseguido driblar a segurança apenas para incomodá-lo no pior dia possível.

De uma forma ou de outra, a pessoa não parecia que iria desistir. Continuava a bater na porta com insistência.

-Steffan?!

Ele se surpreendeu ao ouvir a voz de Cameron, vestindo um roupão e indo até a porta. Ele imaginou que estivesse ficando louco. Bom, ele já sentia como se estivesse perdendo a sanidade, mas nunca tinha ouvido vozes antes. Porém, assim que abriu a porta, lá estava ele.

-Ah, ainda bem que você está vivo. Eu já ia ligar pra polícia. -Cameron suspirou. A adrenalina estava o mantendo focado, mas agora que tinha finalmente verificado que Steffan estava bem, ele estava sentindo suas pernas falhando.

-O... -Steffan começou a falar, notando que sua voz estava falhando.

-Está tudo bem...? -Cameron notou que o ator parecia diferente do normal.

Steffan apontou para dentro do quarto e entrou, e, por curiosidade, Cameron o seguiu.

-A Ayla... ela me ligou e disse que estava preocupada. Então eu vim até aqui. Se você estiver bem, eu vou embora. -Cameron se sentia um idiota por ter gastado tanto dinheiro apenas para ver se Steffan estava bem, ainda mais depois da discussão que os dois tiveram. -Você nem deve me querer aqui depois de tudo que aconteceu...

-Eu não ia dizer isso. -Steffan se sentou, apoiando o rosto em suas mãos.

-Está... -Cameron sabia que já tinha perguntado, mas não sabia mais o que dizer e, ao mesmo tempo, sentia que não deveria perguntar aquilo.

-Não. -Steffan respondeu mesmo sem ouvir toda a pergunta.

Cameron suspirou, sem saber o que deveria dizer. Talvez fosse melhor nem ter vindo. Ele não achava que poderia ajudar Steffan naquela situação.

-Tudo começou quando eu tinha 6 anos.

Um Ato de AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora