Capítulo 20

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Diferente do que eu imaginava, Ino não me guiou de volta ao meu quarto, mas deliberadamente o evitou, me levando direto para as portas duplas do seu aposento. Não esperava surpresas ao entrar no cômodo, ao contrário, imaginava ser finalmente abraçada pelo conforto do conhecido, mas uma presença parada próxima à cama roubou-me o momento. O seu rosto parecia diferente, agora que não estava manchada pela careta do desespero, o queixo erguido e o sorriso convidativo a deixavam longe da mulher assombrada que me parou em meu primeiro dia no palácio negro.

— Você...

Eu calei minha própria voz ao notar o quão rouca ela estava e mais ainda ao sentir a fadiga e a fome reclamarem novamente a sua presença.

— Preparei o seu banho, senhora Sakura — ela pronunciou as palavras com um ar de graça, juventude e intimidade. Não parecia em nada com a imagem que eu tinha dela e eu só conseguia sentir alívio por isso. Então apenas a encarei, esperando pacientemente o que se desenrolaria a seguir. — Vejo que está esgotada, não irei mais segurá-la em seu caminho. — algo na sua resposta despretensiosa soou como um desafio. Ela estava esperando por perguntas, mas não as ouviu de mim. Pelo menos não hoje.

Ino agradeceu gentilmente a criada sem nome e me levou até o seu anexo de banho, auxiliando meus passos e movimentos até a banheira cheia de água quente e perfumada. Senti que os papéis foram invertidos, quando Ino, a minha senhora, me ajudou a me despir e delicadamente começou a esfregar o meu corpo com uma bucha de banho. Desde que comecei a morar no Palácio Negro, não houve uma vez sequer que me dei ao luxo de tomar um banho em uma banheira, não pude ousar usufruir de tal luxo, não quando havia um medo frequente de que tal regalia fosse tomada de mim, e que da noite para o dia, eu tivesse que retornar a rotina de banhos frios e escassos, por isso, mantive minhas expectativas sobre controle e a memória das minhas origens sempre em mente. Mas por ironia, agora eu não estava apenas me banhando em águas proibidas, mas estava tendo os cabelos lavados pelas mãos de uma nobre, de uma pessoa com nome e sobrenome.

— Eu realmente posso me lavar sozinha, senhora — disse acanhada.

A vergonha demorou para aparecer, mas uma vez presente, seria dificilmente ignorada.

— Senhora? — Ino repetiu com indignação na voz. — Achei que houvéssemos abandonado esses termos, Sakura.

— Perdão, eu estou nervosa — balbuciei.

— Eu vejo. — Concentrada em seu trabalho, Ino apenas limitou-se em enxaguar o sabão de meus cabelos. — Não pense muito sobre as coisas, somos amigas. — Ela jogou mais uma caneca de água em meus cabelos antes de concluir: — Você pode ser cuidada também.

Não sei qual a intenção de Ino ao dizer isso, mas suas palavras acariciam uma ferida antiga, que nunca cicatrizará. Suas mãos lavam meus cabelos com carinho e cuidado, e o gesto trouxe memórias de um tempo longínquo, de uma época onde eu era apenas uma criança e vivia como uma. Não havia trabalho, não tinha medo e fome. Havia uma mãe.

— Pode chorar, querida — falou ao notar meu corpo tremer — Deixe as lágrimas caírem livremente, elas são as asas da alma e precisam de espaço para voar.

Fiz como a minha amiga aconselhou e sem dizer mais nada, apenas deixei que as gotas salgadas pulassem dos meus olhos incessantemente até que a água estivesse fria o suficiente para me fazer tremer e Ino declarar o fim do banho.

Ao sair do anexo, enrolada em grossas toalhas felpudas, encontrei o quarto vazio e uma bandeja com comida à minha espera. Antes mesmo de colocar as roupas, me sentei diante do prato e comi sem qualquer pudor. Somente quando garantiu que estava bem vestida e alimentada, Ino se dirigiu até as portas do seu quarto e abriu uma brecha, de onde eu ouvi uma voz bem conhecida dizer:

PERSONA (VERSÃO SASUSAKU)Onde histórias criam vida. Descubra agora