O ar gelado entrando pela janela fez Rose acordar tremendo de frio.
Ao abrir os olhos, a primeira coisa que notou é que não estava em seu quarto. Estava deitada entre seus pais, na enorme cama do quarto deles.
Instantaneamente se recordou da noite anterior, teve uma crise de ansiedade e correu até eles pedindo ajuda. Ela sempre achou engraçado como os impulsos podiam ser arrebatadores, e levar as pessoas a fazer coisas que muitas vezes não tinham força para fazer sozinhas.
Se sentia cansada, seu corpo estava dolorido e a mente uma bagunça de pensamentos inquietantes. Constantemente tinha a sensação de que exercia muita força para continuar vivendo uma rotina, e seu corpo lhe cobrava isso.
Lentamente levantou e se arrastou até sair da cama, tomando o cuidado de não acordar seus pais, cuidadosamente abriu a porta e saiu do quarto.
Sem querer encarou seu reflexo no espelho do corredor e respirou profundamente, notou os olhos inchados e brancos, havia adormecido chorando, seu nariz estava levemente avermelhado e o cabelo aparentava ter criado vários nós, consequências de ter deitado com ele molhado.
Rose se dirigiu ao banheiro e tomou um banho, a água quente sempre teve a função de lhe acalmar, aprendeu isso com ele, engoliu o nó da garganta e desligou a água. Hoje ela não iria chorar.
Se enrolou na toalha e foi até o quarto. Com um rápido feitiço se secou, vestiu sua calça preta favorita e uma blusa de mangas igualmente preta. Sentou na beirada da cama e encarou o quadro na mesa, do lado do porta retrato, que agora, permanecia virado para baixo. A frase, "É tudo uma questão de linhas", escrita na perfeita caligrafia de Logan, causou arrepios no corpo de Rose, por reflexo ela pegou o porta retrato, passou o dedo pela borda prata da moldura e puxou o ar com força enquanto uma lágrima percorria sua bochecha.
Ela aprendeu com ele que a todo momento o cérebro tem 14 bilhões de neurônios sendo disparados a 724 km/h. Nós não temos controle algum sobre a maioria deles. Quando temos um arrepio, calafrios. Quando ficamos excitados, adrenalina. O corpo naturalmente segue seus impulsos o que é parte do motivo de ser tão difícil para nós controlarmos os nossos. Claro que às vezes temos impulsos que preferimos não controlar e depois, queríamos ter controlado.
Era o que ela sentia agora, gostaria de ter controlado o impulso de olhar aquela foto, olhar pra ele. Sorridentes, eles se encaravam felizes, em um momento íntimo, parecia outra vida.
Em outro impulso, pegou o pergaminho, cuidadosamente dobrado, que estava ao lado do quadro, colocou no bolso da calça, vestiu seu casaco e encarou sua imagem no espelho da porta, havia emagrecido, a pele estava mais pálida, o cabelo descuidado. Tudo nela emanava a sua bagunça interior, estava desmotivada e não se preocupava em demonstrar isso.
Desceu para a sala, deixou sua mala no chão e suas coisas no sofá. Ouviu barulhos na cozinha, observando sua mãe fazer o café e sentou-se na mesa silenciosamente, encarou a grande janela que dava para o jardim e observou alguns pássaros voando no horizonte.
Ronald e Hugo desceram alguns minutos depois, sentaram na mesa e começaram a tomar o café, uma pequena conversa sobre volta às aulas se iniciou, e de minutos em minutos, pai, mãe e irmão, encaravam a garota que estava mentalmente ausente naquele momento, parecia em outro mundo. Lhe perguntaram como estava, mas não obtiveram resposta. Estavam acostumados com a falta da voz e da presença ativa de Rose, fazia quase 6 meses que ela se fechou e não falava mais que o necessário.
Hermione achou que depois do episódio da noite passada, Rose estaria mais aberta pela manhã, acreditou que aquele momento havia sido um passo para filha se libertar da prisão que estava. Ela gostaria que houvesse um modo fácil de lidar com a ausência de Rose, que havia se fechado em seu luto e estava apática a tudo em sua volta.
A dificuldade de Rose em se abrir sobre os ultimos acontecimentos e a demora dela em superar a perda fez com que os pais procurassem ajuda. Eles queriam ajudá-la, mas quanto mais investiam, mais ela os afastava. Hermione desejou mais que tudo que o luto viesse com um manual. Algum tipo de guia para dizer o que fazer, o que falar, seria bom algo para te alertar quando você cruzasse a linha do suportável. Mas quanto mais o tempo passava, mais ela se desesperava em ver a filha definhar na sua frente, sem chance de retorno.
Era inevitável se sentirem desesperados frente as inúteis tentativas de ajudar Rose. Hermione e Ronald passaram noites em claro conversando sobre modos e modos de se aproximarem da filha e ajudá-la a superar, nenhuma havia tido efeito.
Depois de quase dois meses dentro do quarto, sem interação com a família, Rose havia corrido até os pais depois de encontrar uma carta que Logan havia escrito antes de viajar.
Antes do trágico acidente.
Desesperada Rose, pediu ajuda, chorou e dormiu entre os pais. Mas ao que parecia havia sido um episódio único.
Naquela manhã e durante todo o trajeto de carro até a Estação King's Cross, tudo o que receberam foi o silêncio gritante de Rose.
Enquanto ela se dirigia ao trem encontrou no meio do caminho, o melhor amigo, Scorpius. Único com quem ela estava minimamente se comunicando.
Como um pai protetor, Ronald observou o garoto sorrir pra filha e ela lhe encarar de volta, rezou a Merlim que Scorpius fosse a ponte para Rose voltar. Rony havia passado por tantas situações na adolescência e tantas outras na construção de sua família, que estava calejado no quesito decepções. Ele sabia que nem todas as feridas eram superficiais, a maioria delas corria mais profundamente do que podíamos imaginar. Ele sabia, por experiência, que algumas feridas nos pegam de surpresa, também sabia que o truque com qualquer tipo de dor, era cavar fundo e procurar pela verdadeira fonte e uma vez que você a encontrasse, lidar com ela.
Ronald observava a filha se entregar a dor, ele queria poder sentir tudo no lugar dela e lhe dar uma vida mais leve, mas sabia que a menina precisava passar pelas próprias decepções e superar as próprias dores. Ronald aprendeu da forma mais dura que nada estava 100% no nosso controle, sabia que a filha prezava a sensação de controle e sabia que ela precisava se reencontrar no meio do caos. Mas observar ela se perder, estava matando ele por dentro, sem nada que ele pudesse realmente fazer.
Rose estava seguindo a multidão até conseguir entrar no trem. Foi guiada pelos amigos para uma cabine e como de costume se sentou na janela. Se esforçou para não focar em nenhum detalhe do trem ou da cabine, olhou para fora e observou a paisagem passar com rapidez por eles. Ela sentia o peito pesado, a cabeça doía e a todo instante ela engolia o nó que se formava na garganta. Ela sabia que não conseguiria passar por este dia, retornar a Hogwarts sem ele, e não chorar. Tudo lembrava ele.
Até o ar gelado que entrava pela janela da cabine trazia lembranças dele, que sempre envolvia ela em um abraço para esquentar.
Rose encostou a cabeça no banco e fechou os olhos, sentiu uma movimentação ao seu lado. Não precisou abrir os olhos pra saber que era Scorpius, reconheceria o perfume do amigo de longe, sentiu lhe cutucar e inclinou a cabeça para que ele colocasse o braço sobre seus ombros. Recostou a cabeça em seu ombro e sentiu seu peito aquecer, aos poucos não sentia mais frio e conseguiu relaxar minimamente.
Scorpius era um excelente amigo, sabia do que ela precisava, mesmo sem pedir.
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A Unexpected Life
FanfictionEscolhas e Consequências. Renúncia e aceitação. A nossa vida é e sempre será sobre escolhas. A todo momento estamos decidindo entre uma coisa e outra. Entre pegar ônibus ou ir de carro, entre sim e não, desistir ou tentar, vermelho ou verde, pizza o...