Victor Decker:
Olhei para cima, e a sensação de estar em Nevernever finalmente me atingiu em cheio. Estávamos de fato em outro mundo. O céu acima era de um azul profundo, quase surreal, e ao nosso redor, uma densa floresta de árvores latifoliadas se estendia por todos os lados, suas copas tão altas que pareciam tocar o céu. O vale estreito onde nos encontrávamos era silencioso, mas vivo. O som suave de um arroio murmurante cortava a clareira, suas águas cristalinas brilhando sob os raios de sol que filtravam pelas folhas, criando pequenos pontos de luz dançando pelo chão da floresta.
Havia uma tranquilidade estranha ali, uma pausa em meio ao caos que havíamos acabado de enfrentar. O ar era fresco, quase doce, e por um momento, pude respirar profundamente, sentindo o alívio percorrer meu corpo. O contraste com o tumulto que havíamos deixado para trás era esmagador.
Um movimento ao longe chamou minha atenção. Um par de cervos sarapintados, seus corpos elegantes e graciosos, ergueram suas cabeças ao nos verem. Eles nos observaram por um instante, curiosos, mas não assustados. Havia uma calma em seus olhos, como se soubessem que ali éramos meros visitantes, enquanto eles faziam parte daquele mundo em cada fibra de seus seres.
Puck, ainda ao meu lado, também parecia absorver a quietude do lugar, seus olhos varrendo a floresta como se tentasse entender onde estávamos. Nunca tínhamos visto algo tão pacífico em Nevernever, um mundo normalmente cheio de armadilhas e perigos.
— Isso é... diferente do que eu esperava — murmurei, minha voz baixa para não perturbar a serenidade do momento.
Puck apenas assentiu, seus olhos fixos nos cervos que continuavam a nos observar. Ele não disse nada, mas eu sabia que estava pensando a mesma coisa que eu: por quanto tempo essa paz iria durar? O reino das sombras estava em movimento, e por mais tranquilidade que Nevernever* pudesse oferecer naquele momento, a ameaça estava longe de acabar.
A floresta ao redor parecia vibrar com uma energia mágica, antiga e poderosa. Senti como se o próprio chão sob meus pés estivesse vivo, pulsando com uma força que eu não conseguia explicar, mas que me fazia sentir pequeno diante de sua grandiosidade. Ali, em meio à natureza intocada, o reino de *Nevernever parecia respirar ao nosso redor, uma presença silenciosa, mas inegável.
— Temos que nos manter em movimento — disse Puck finalmente, sua voz cortando o silêncio suave que nos envolvia. — Não podemos nos dar ao luxo de relaxar. Não sabemos quanto tempo temos antes que as sombras nos alcancem de novo.
Eu sabia que ele estava certo. Aquela calmaria era apenas uma pausa, uma breve trégua antes que o próximo desafio nos encontrasse. Soltei um suspiro, sentindo o peso da jornada que ainda tínhamos pela frente.
— Vamos — respondi, tentando absorver o máximo daquele lugar mágico antes de partirmos. Nevernever era tão bonito quanto traiçoeiro, e sabíamos que não poderíamos confiar inteiramente em sua beleza.
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Continuamos a caminhar pela floresta, o silêncio entre nós carregado de uma tensão silenciosa. Puck, sempre alerta, segurava sua adaga firmemente, seus olhos atentos vasculhando cada canto ao nosso redor. Ele apontava a lâmina sutilmente, como se sentisse que algo estava à espreita, mas sem querer chamar atenção para isso. Eu podia ver sua preocupação, mesmo que ele não dissesse nada. Sabíamos que, em Nevernever, a calma podia ser apenas a superfície de algo muito mais sombrio.
Já fazia um bom tempo que andávamos, e o cansaço começava a pesar sobre mim. Minhas pernas estavam pesadas, e a adrenalina que tinha me mantido em alerta até agora estava se esvaindo, substituída por uma exaustão profunda. Cada passo parecia mais difícil que o anterior, o chão macio da floresta se tornando um desafio. O som tranquilo do arroio ainda nos acompanhava, mas a paz que senti quando chegamos aqui começava a parecer uma ilusão distante.
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Anjo das sombras | Livro 4: O Rei Das Fadas
AventuraDentro de menos de vinte e quatro horas, Victor celebrará seu décimo sétimo aniversário e enfrentará uma escolha crucial. Apesar de tecnicamente já ter vivido dezessete anos, sua estadia prolongada em Nevernever o deixou apenas alguns dias mais velh...