Victor Decker:
Eu pisquei, e por um breve e ilusório instante, a escuridão ao meu redor pareceu ceder, como se tivesse sido afastada por um sopro de esperança. Mas logo ela voltou, densa e opressiva, como um manto invisível que pesava sobre os meus ombros. Meu corpo parecia carregado, como se tivesse sido puxado para as profundezas de um abismo e agora lutava para emergir, quebrando a superfície de um oceano de trevas. O ar frio penetrou em meus pulmões quando respirei fundo, cada inspiração trazendo um alívio momentâneo, mas impregnado de uma inquietude que não conseguia sacudir.
Levantei a cabeça devagar, os músculos rígidos, como se carregassem o peso do mundo. Meus olhos, turvos e desacostumados à nova realidade, ajustaram-se gradualmente. A familiaridade me atingiu como um golpe: a floresta de Nevernever. As árvores, altas e imponentes, erguiam-se ao meu redor como guardiãs silenciosas, suas copas filtrando a luz do sol em raios suaves que tocavam o chão com delicadeza. O som do arroio próximo, correndo preguiçosamente entre as pedras, oferecia um conforto momentâneo. Pelo menos, por ora, eu estava seguro. Ou assim parecia.
No entanto, a sensação da presença de Ambres ainda pairava no ar como um fantasma invisível, uma sombra silenciosa à espreita, sempre à margem da minha visão. Ele estava ali, sempre ali, mesmo quando não podia vê-lo. Era como se seu olhar frio me seguisse, aguardando o momento certo para se manifestar novamente, para me puxar de volta para sua teia de sombras.
Minha mente girava, confusa, revivendo o encontro. O sorriso gélido de Ambres se cravara em minha memória, as sombras que ondulavam ao seu redor, e suas palavras... aquelas palavras sombrias que ecoavam em minha alma, como uma marca gravada a fogo. Eu sentia sua presença impregnada em mim, uma parte de mim. Sabia, com uma certeza perturbadora, que aquilo não era um mero sonho, tampouco uma alucinação fugaz.
Ambres havia se entrelaçado com a essência mais profunda do meu ser.
Olhei ao redor, buscando uma âncora, algo que me ligasse à realidade. Meus olhos finalmente encontraram Puck, parado à minha frente. Ele estava alerta, os músculos tensos, como se estivesse à espera do próximo movimento das sombras. Seu olhar caiu sobre mim rapidamente, avaliando meu estado com uma preocupação que ele raramente demonstrava.
— Você sumiu por um instante — disse ele, sua voz normalmente brincalhona agora estava baixa, grave, carregada de uma preocupação quase palpável. — Seu corpo... era como se tivesse sido feito de sombras. Parecia que você estava... preso em algum lugar.
As palavras de Puck ecoaram em minha mente, mas eu não consegui responder imediatamente. Ainda estava tentando juntar os pedaços do que acabara de vivenciar, as emoções confusas que me invadiam. Eu sabia que Puck não ia gostar do que eu tinha para dizer. Mas esconder a verdade não era uma opção. Ele precisava saber. Precisava entender que Ambres estava atrás de nós, que isso era apenas o início de algo muito maior e mais sombrio do que qualquer um de nós poderia imaginar.
— Ambres... — sussurrei, quebrando finalmente o silêncio sufocante. — Ele apareceu nos meus sonhos... mais de uma vez. Ele sabe que eu ainda sou a chave... para o reino das sombras.
Puck congelou por um momento, o impacto daquelas palavras cravando-se nele como uma lâmina afiada. Seus olhos se estreitaram, absorvendo cada sílaba, cada implicação. O silêncio que se seguiu foi tão pesado quanto a escuridão que ainda nos cercava, e eu soube que não estávamos mais seguros, nem mesmo por um instante.
Este era apenas o começo.
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Voltamos a caminhar, mas minha mente ainda estava presa às palavras de Ambres. "A escuridão vai te consumir." O que exatamente ele queria dizer com isso? O peso daquela ameaça não saía da minha cabeça, uma sombra pairando sobre meus pensamentos. Precisava de alguma resposta, algo que explicasse o que estava acontecendo, mas a verdade parecia escorregar pelos meus dedos, tão intangível quanto o próprio Ambres.
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Anjo das sombras | Livro 4: O Rei Das Fadas
AdventureDentro de menos de vinte e quatro horas, Victor celebrará seu décimo sétimo aniversário e enfrentará uma escolha crucial. Apesar de tecnicamente já ter vivido dezessete anos, sua estadia prolongada em Nevernever o deixou apenas alguns dias mais velh...