Cap 16: Mãe

192 40 33
                                    

   Gulf não tinha clientes marcado antes das 11:00 daquela manhã de quarta-feira. Por um lado era bom, pois tinha de resolver a situação de sua moradia e por outro ruim, já que precisava muito de dinheiro.

  Depois de abrir o salão para Becky, voltou para casa e dedicou-se a arrumação do seu sótão apartamento.

   Após a morte de seu pai e da desintegração de sua família, sonhará com o lar onde o amassem como na história do livro A Pequena Princesa, seu favorito quando criança.

  — Ao invés disso fui parar num sótão — murmurou, passando os dedos sobre um baú velho cheio de poeira que lá se encontrava.

  O local tinha alguns pontos a seu favor. Era arejado, porém aquecido o suficiente. Possuía várias janelas e altura que permitia a uma pessoa alta ficar de pé. Enfim, sua nova moradia tinha um grande potencial.

  — Você está aí em cima? — Perguntou o senhor Bogum.

  — Sim — gritou.

  — Falei com a transportadora que fará minha mudança sobre o prazo para trazerem minha mobília. Portanto, ainda tem uma semana antes de ocupar o sótão.

— Então só me resta arregaçar as mangas já que só posso contar comigo mesmo.

  Park Bogum o fitou surpreso.

  — Um garoto como você? O que está acontecendo com os homens dessa cidade que não estão fazendo fila na porta para ajudá-lo?

  — Bem, me divorciei há algum tempo. Desde então tenho evitado envolvimentos. Estou bem sozinho.

  — Não acredito! — Exclamou o senhorio  incrédulo. 

  Foi a vez de Gulf se surpreender.

  — Acho que já me conhece tanto assim?

— Claro que sim. Somos parecidos. O tipo de pessoa que não gosta de solidão. Foi por isso que sai da Coreia. Na verdade, teve outro motivo além deste. Uma certa mulher desta cidade que nunca consegui esquecer.

  — Verdade? — Gulf não pode disfarçar a excitação na voz. Gostava de escutar histórias amorosas. Era um excelente ouvinte das suas clientes e nunca lhes trairá a confiança.

  — Sim. Mas não seja curioso, pois não vou lhe contar de quem se trata até me certificar de que ela não baterá a porta no meu rosto. Quanto a você, aposto como antes do verão encontrará um grande amor.

  — Isto é o que eu chamo de uma aposta perdida — respondeu em tom cético.

— Acredite em mim. Sou muito bom nessas coisas. Mas fique sabendo que sejam qual for o pretendente que vier a esta casa, terá de me provar que é bom o suficiente para você.

   Gulf pois se a limpar o assoalho na intenção de esconder as lágrimas que lhe brotaram aos olhos. Não era do tipo muito sensível. Devia ser o estresse dos últimos dias... E Mew.

  — Obrigado, senhor Bogum — disse, sem encará-lo, com a voz emocionada.

— Não há de quê garotinho — respondeu em tom carinhoso, partindo em seguida.

  Gulf caminhava em direção ao salão, pensando no contraste entre a aparência externa de seu senhorio e o coração de manteiga que possuía, quando avistou sua mãe saindo de uma loja de aviamentos. Não lhe restava outra saída. Tinham trocado olhares e não dava mais tempo para fingirem que não se viram.

— Olá, mãe. Casaco novo? Muito bonito.

— Já o tenho a anos.

— E ainda está bonito.

  A mãe respondeu franzindo a testa. O simples pensamento que um dia poderia ficar como ela, aterrorizava Gulf. A expressão de eterna insatisfação e o nariz ligeiramente arrebitado conferiam-lhe um ar atrevido. Esperava que a mãe contribuísse com algumas palavras para o diálogo, mas não parecia disposta a conversar.

  — Bem, tenho uma cliente marcada às 11:00, portanto é melhor eu ir andando — disse para romper o silêncio constrangedor. — A hora que quiser cortar os cabelos é só aparecer.

  — Corto-os com Gail há 30 anos — sua mãe respondeu em tom rígido.

  Gail possuía um salão fora da cidade. As dois tinham um ótimo relacionamento. Gulf lhe encaminhava as clientes que optavam por cortes e penteados mais conservadores e a colega, por sua vez, indicava-o para as mais modernas.

  — Não estou sugerindo um corte radical apenas alguma coisa mais moderna.

— Nunca faria isso com Gail.

  Mas a intenção de Kally Kanawut era esnobar o filho. Tudo que necessitava da mãe era um pouco de carinho e confiança para compensa-la dos anos em que, por pura rebeldia, causar-lhe tantos dissabores. Apesar da dor que sentia em seu âmago, conseguiu manter o sorriso.

— Bem, a oferta vai estar sempre de pé. Até outro dia.

  Mas sabia que nunca veria a mãe no Kanawut Secrets. Como sempre, Kally conseguirá arrasar suas defesas.

   — Preciso de férias — anunciou Mew após a comitiva Municipal deixar a delegacia.

  — Mas acabou de tirar férias — interveio Thorn.

  — A viagem a Bangkok não pode ser considerada férias.

  O irmão sorriu.

  — Então foi trabalho?

  — Continue com o sarcasmo e o designarei para a Patrulha rodoviária. 
— Ficaria assustado... se tivéssemos uma.

  Mew olhou para o relógio.

  — As 17:00 horas pegarei um carro rumo ao meu Chalé. Preciso de uma noite de sono ininterrupta.

  — Ah, Mew?

  — O que foi?

  — Sabe aquele telefonema que atendi enquanto estava conversando com o prefeito sobre a onda de crimes?

  — Diga logo.

  — Era Champ. Está subindo pelas paredes de tanto tédio. Convidou-o para jantar com eles e eu confirmei a sua presença.

  — Você fez o quê? Por acaso é meu empresário?

  — Sim. O que é um trabalho fácil. Afinal, fora o que aconteceu entre você e Gulf em Bangkok, não tem nenhuma vida social. — Tomou um gole de café e continuou: — ele é seu melhor amigo. Não pensei que fosse recusar.

  Mew debruçou-se sobre a mesa observando a neve pela janela. Em seguida dirigir um olhar de reprovação ao irmão que descansava os pés sobre a mesa.

  — Está demitido.

  — Daqui? — Perguntou Thor com olhar esperançoso.

— Não. Como o meu empresário.

Mais uma vez teria de adiar o Chalé.

Um garoto rebelde Onde histórias criam vida. Descubra agora