Cap 17: Observar

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Pouco antes do anoitecer, Gulf percorreu o curto caminho que levava a casa de Champ e Mild. Vestia uma capa grossa com forro de lã e luvas de couro.

    Aproximando-se da casa, percebeu que havia outro carro, além do de Mild, estacionado na garagem. Tratava-se do velho Dodge do Senhor do Suppasit, o qual ele já vira sendo dirigido por Thorn. O que significava...

   Que Mild havia aprontado outra.

   Pensou em dar meia volta e ir embora. Mas, afinal, não era covarde. Disse a si mesmo que podia enfrentar um jantar com Mew Suppasit sem cometer nenhuma sandice.

   Pegou o espelho em sua bolsa em uma rapidez invejável arrumou o cabelo. Não que aquilo tivesse algo a ver com ele. De maneira nenhuma. Adotou o seu melhor sorriso de indiferença e segurou firme a garrafa de vinho que havia trazido.

   Podia lidar com Mew, argumentou em seu íntimo.

   Mild o esperava na porta da cozinha.

  — Olá, fico feliz que tenha vindo. Temos mais um convidado. — O sorriso maroto do amigo confirmava sua suspeitas.

— Deixe-me adivinhar. Mew está ai.

Mild ignorou o comentário.

— Porque não entra? —O tom de sua voz combinava com o sorriso nervoso. — Estamos batendo papo em volta da lareira enquanto a lasanha não fica pronta.

  A atitude do amigo confirmava sua suspeita. Mel estava lá.

— Devia ter me avisado — protestou, desabotoando o casaco e retirando as galochas. Desejava estar usando algo melhor. Em vez da blusa de flanela e a calça jeans modelo rasgada na altura do joelho que usava.

  Mild conduziu-o até a grande sala de estar. Seu rosto pousou diretamente sobre Mew. Ele estava sentado em um confortável sofá de dois lugares olhando o fogo. A curva da mandíbula e a pele dourada refletindo o reflexo do fogo compunham um visual que lhe provocou arrepios por todo o corpo.

  Champ levantou-se com alguma dificuldade.

  — Fico feliz pela chuva não o ter impedido de chegar até aqui. Posso lhe oferecer algo para beber?

  Gulf gelou. A última vez que havia combinado álcool e Mew, tinha entrado em combustão.

  — Nada por enquanto, obrigado. E se eu quiser, sei onde fica o bar. — E adotando um sorriso mais natural possível comprimento Mew. — Oi, Mew.

— Oi, Gulf. —Retribuiu na mesma moeda.

— Sente-se — disse Mild, acomodando-se na única poltrona disponível e deixando o lugar vago no sofá ao lado de Mew.

  — Obrigado — gradeceu com uma dose de sarcasmo, sentando-se o mais longe possível de Mew. Parecia totalmente diferente a sua presença, o que deveria deixa-lo aliviado.

  — Por que está dirigindo o carro do seu pai ? — Perguntou, na tentativa de manter uma conversa trivial.

   — O meu está na oficina — respondeu  sucinto.

   Decidido a não se intimidar com sua presença, Gulf ocupou todo o seu espaço no pequeno sofá. O ombro quase roçando o dele. Aquela proximidade o fez tremer com as recordações que tentava em vão esquecer aqueles últimos dias.

   Mew lançou-lhe um olhar inquisitivo.

— Você está bem?

— Ótimo.

  — Que bom.

  Como podia estar tão calmo enquanto ele sentia-se como uma corda esticada. Aquilo estava começando a preocupá-lo. Indiferença é o sentimento que Gulf mais detestava.

  Abriu os primeiros botões da blusa permitindo um pequeno vislumbre de seu peitoral por baixo.

  — Essa lareira esquenta de verdade, não acha?  — Perguntou-lhe Gulf. A julgar pelo sorriso de escárnio de Mild, notou que fora longe demais.

  Champ aproveitou o momento para perguntar como estava sendo conduzido o processo da efetivação para chefe de polícia.

   Mew meneou a cabeça desanimado. 

   — Richard está colado no prefeito e no conselho. Até que tenha resolvido o caso do salão de Gulf, não ficarei descansado para fazer o mesmo.

  — Então prenda Fiat — aconselhou-o Gulf com naturalidade. — Você será o chefe de polícia e ele estará no seu devido lugar.

   Mew encarou-o com um olhar que o fez derreter. Poderia jurar ter vislumbrado uma ponta de desejo nele. Mas em seguida a indiferença voltou a tomar conta de sua expressão. Era como se ele não existisse.

— Sabe de uma coisa? Estou farto de ouvir opiniões alheias. Não lhe digo como deve cortar os cabelos de seus clientes. Portanto, não tente me ensinar a fazer o meu trabalho.

  Mild deu um salto de sua poltrona, puxou  Gulf pela cintura, fazendo o levantar-se do sofá.

— Vamos ver se a lasanha já está pronta.

— Claro.

— Muito bem — disse Mild assim que ficaram as sós na cozinha. — Não foi uma ideia boa convidá-los para o mesmo jantar, mas vamos tentar sobreviver a isso sem derramar sangue. Certo?

  — Só se ele não me provocar. E, por favor, coloque-nos em lados opostos da mesa.

— Talvez seja mais seguro em sala separadas — disse o amigo enquanto retirava a lasanha do forno.

  — Está certo. Vou tentar me controlar.

De fato, o jantar correu em paz até Gulf comentar sobre sua iminente mudança para o sótão.

   O garfo de Mew caiu sobre o prato.

  — Sabe alguma coisa da vida desse homem? — Aquela fora a primeira pergunta direta que ele lhe fizera.

— Ele me parece ser boa pessoa. Meu instinto não falha.

   Mew lançou-lhe um olhar penetrante.

— Bem... — Tentou intervir Mild, mas calou-se quando o mesmo olhar lhe foi dirigido.

— Você é maluco? — Mew perguntou voltando a fitá-lo de modo fulminante.

  Enquanto Mew contava com detalhes os rumores sobre o senhor Park Borgum, Gulf concluiu que aquela frieza era apenas disfarce. Mew não era indiferente a ele.

  Conforme ouviam a preleção dele, Mild e o marido assentinham com gestos de concordância.

  — Aprecio a preocupação de todos — disse Gulf finalmente. — Mas nunca vou encontrar aluguel mais barato do que o daquele sótão. E no momento estou completamente quebrado. O pouco que guardei para as reformas do salão estou sendo obrigado a gastar com que o meu seguro não cobriu do estrago. Portanto, a menos que alguém esteja interessado em me oferecer moradia de graça, não se fala mais nisso.

    Mild se encarregou de levar a conversação para assuntos corriqueiros pelo resto do jantar. Quando todos estavam na cozinha ajudando a lavar a louça, o amigo lhe perguntou quando iria fazer a mudança de sua mobília para o sótão.

  — Não sei. Ainda tem uma semana para me preparar.

  — Mew poderia ajudá-lo — sugeriu o amigo.

— Não — Gulf deixou escapar.

   Quase não podia resistir a atração que sentia por Mew num território neutro quanto mais em seu próprio quarto.

  — Boa ideia — respondeu Mew. — Isto me permitirá observar melhor esse homem.

Um garoto rebelde Onde histórias criam vida. Descubra agora