Capítulo 18

1K 62 5
                                        

Elo's p.o.v

10 de junho de 2022, sexta-feira.
Nova York, EUA.
7h 14 min

Inspira. Expira.
Só mais duzentos metros.
Inspira. Expira.
Só mais cem metros.
Inspira. Expira.
E Inspira. E Expira. E de novo. E de novo.
Eu tentava controlar a respiração enquanto me aproximava, com passos agora lentos, de uma árvore que provia uma grande sombra. Com um alívio no peito - e nas pernas -, sento no chão, encostando minhas costas no tronco da árvore e finalmente descansando após os dez quilômetros corridos.
Correr não era minha atividade de lazer favorita. Para ser sincera, nenhum esporte ou atividade física era. Mas eu não podia negar o quanto aquilo me fazia bem, principalmente quando estava estressada. Era como se grande parte dos problemas e das preocupações saíssem dos meus ombros - pelo menos por um momento breve.
E havia aquela paisagem.
Haviam diversos motivos pelos quais eu havia escolhido viver em Nova York. E mais motivos ainda pelos quais eu amava aquela cidade. Eu amava o fato de ser apenas mais uma pessoa entre outras centenas de milhares que percorriam aquelas ruas todos os dias. Quando eu estava em Nova York eu não era Eloise Piquet, eu era simplesmente a Elo. Eu também amava como as luzes deixavam aquela cidade ainda mais encantadora a noite. Eu amava o movimento e a quantidade de histórias que aquelas ruas contavam. Mas principalmente, eu amava aquele pedaço específico no mundo: o Central Park.
Eu havia passado uma boa parte da infância na fazenda do meu pai - que, sejamos sinceros, não era exatamente uma fazenda, por mais que ele gostasse de chamar assim. Mas de qualquer forma, havia natureza abundante. E por mais que eu amasse a parte cosmopolita da cidade, eu havia aprendido a apreciar esse ar puro desde pequena. E como eu amava.
Assim como meu amor por esse lugar específico do mundo, também era uma verdade absoluta que estava estressada. Eu poderia inventar uma série de desculpas para quem quer que fosse. Poderia dizer que após cinco meses de férias, estava começando a ficar entediada - o que não era exatamente uma mentira, mas certamente não era o que mais me atormentava no momento. Podia dizer que estava com saudades da família - o que não era exatamente uma mentira se falássemos especificamente de Penélope. Poderia até mesmo dizer que era o ar da primavera causando alergia e crises terríveis de rinite - o que também não era exatamente uma mentira, mas o privilégio de ver as flores e as folhas renascendo e trazendo de volta vida e cores ao mundo amenizava uma grande parte do uso dos antialérgicos, até mesmo justificava.
Mas não passavam de desculpas. Eu estaria sendo uma grande mentirosa se não admitisse que, entre todos os problemas do mundo,  quiçá do universo, o que me atormentava - e me tirou da cama muito mais cedo do que eu pretendia - era aquela maldita foto tirada do outro lado do mundo.
Eu era uma tremenda idiota e, a essas alturas do campeonato - literalmente -, isso não era mais um segredo. Mas era incrível a capacidade que eu tinha de sempre me rebaixar a um nível pior ainda do poço. Eu tenho certeza que já havia passado do subsolo há tempos.
Desde que eu voltei para Nova York, e dessa vez para ficar. Sem visitas a outros lugares, sem viagens. Era meu momento de me reconectar comigo mesma. Eu estava lidando muito bem com a minha espécie de retiro espiritual. Se eu havia consumido mais vinho do que o indicado? Muito provavelmente sim. Mas em minha defesa, eram vinhos de extrema qualidade. Se eu havia gastado mais do que deveria em roupas as quais eu não precisava? Com toda a certeza do mundo. Mas  havia um prazer em me renovar por fora, assim como eu estava te tentando me renovar por dentro - ou melhor, tentando juntar os cacos que restavam.
Mas também era verdade que eu havia passado tempo de qualidade com amigos os quais eu não via há tempos. E havia retornado atividades as quais eu deveria ter retornado há tempos, como por exemplo o ioga e as sessões semanais de terapia. Com todos os problemas que o percurso poderia ter, mesmo assim eu estava indo bem. Eu estava me recompondo. Eu estava bem.
Até aquele maldita foto aparecer sem ser convidada no meu feed. Por algum motivo, alguém achou que seria interessante colocar postagens as quais o usuário poderia ter interesse no feed do Instagram, ao invés de deixar apenas as postagens dos seguidores - as postagens as quais as pessoas realmente tinham interesse de ver.
E dessa forma totalmente não bem vinda e não solicitada, Charles Leclerc e Charlotte Siné apareceram de mãos dadas andando alegremente pelo paddock em Baku.
Desde aquela noite em Mônaco, eu havia decidido que esqueceria Charles. Eu estava obstinada. E eu estava indo muito bem. Eu estava ocupando minha mente com o que quer que seja. E eu estava indo realmente bem. Até aquela maldita foto.
Mais do que ansiosa, ou decepciona, ou o que quer que fosse, eu estava furiosa. De repente, toda aquela raiva a qual eu lutei contra durante dias finalmente conseguiu me vencer. Era inacreditável.
Depois de tudo. E não apenas o que aconteceu comigo, mas tudo o que aqueles jornais publicaram, eles estavam andando por aí de mãos dadas como se nada tivesse acontecido. Eu estava furiosa.
Furiosa porque não era justo. Não era justo todos seguirem como se nada tivesse acontecendo e eu tivesse que seguir lutando todo santo dia para para não me afundar. Furiosa porque talvez realmente não tivesse sido nada, e ele deixava isso mais claro a cada dia que passava. Furiosa porque havia se passado mais de dez dias e ele não havia tido a decência de me mandar nem a merda, quem dirá mandado um pedido de desculpas. E acima de tudo, eu estava furiosa porque, mesmo que Charles Leclerc fosse o maior filho da puta da história, eu simplesmente não conseguia o odiar. Por mais que em me esforçasse muito para isso.
E entre meu momento de estresse e fúria, tive a péssima ideia de olhar meu relógio. E aquém da quilometragem percorrida, ele fez o favor de me mostrar as mensagens que eu havia recebido. Haviam algumas mensagens de Jennifer me convidado para uma social mais tarde, além de dezenas de mensagens de Kelly falando sobre Baku. E aquele foi meu ponto de virada. Eu estava no meu limite.
Eu não queria saber que porcaria de social e muito menos da porra que estava se passando em Baku. Eu só queria paz. E sem pensar muito apenas levantei e voltei a correr. Sem um caminho em mente. Sem um destino final. Eu apenas corri. Corri, inspirei e expirei. Por muito tempo.

SHIVERSOnde histórias criam vida. Descubra agora