Elo's p.o.v.
18 de junho de 2022, sábado.
The Hamptons, EUA.
18h 16min- Você tem certeza que sabe fazer isso? - Emma questiona com um olhar aflito enquanto eu sofria para tentar ascender a fogueira. Eu restrinjo minha resposta a um olhar de reprovação. Era óbvio que eu sabia. No final das contas, eu havia crescido em uma fazenda. Ou quase isso.
- A desculpa da fazenda não cola. - Jennifer responde ao notar meu olhar. Era óbvio que ela sabia o que eu estava pensado. Ela sempre sabia . - Aquela mansão no meio do nada não configura como fazenda só porque tem mato em volta. - ela toma um gole do seu vinho branco. E eu não poderia retrucar. Ela estava a certa. Aquilo não era exatamente uma fazenda, por mais que Nelson Piquet jurasse de pé junto que era sim.
Uma onda de arrepio percorre meu corpo. O simples pensamento daquele nome me deixava atordoada. E não em um bom sentido. A última vez que conversei - ou tive qualquer tipo de contato - com meu pai fora no Natal. E por incrível que pareça, durante todo o feriado brigamos apenas duas vezes em cinco dias. Um recorde. E eu deixaria assim. Sem novos contatos até o próximo Natal. Um ano inteiro sem contato significava um ano inteiro sem brigas e decepções. Eu definitivamente poderia conviver com isso.
- Uma faísca! - Emma grita contente olhando para o projeto de fogueira.
- Onde? - eu pergunto desviando meus pensamentos para o que realmente me importava no momento.
- Aqui! - ela aponta entusiasma. Em questão de minutos o fogo começa a se espalhar e a fogueira passa a realmente existir.
- Boa, fazendeira! - Jennifer propõe um brinde. Eu apenas reviro os olhos.
Com a fogueira já pronta, colocamos as cadeira em volta, fazendo uma meia lua em torno do fogo. O sol se despedia no horizonte, dando ao céu uma coloração alaranjada. O mar a nossa frente, agora com a maré um pouco mais alta, estava tranquilo, apenas com pequenas ondas quebrando na areia. Era um fim de tarde perfeito nos Hamptons.
Quando Jeni e Emma insistiram para que viéssemos passar o final de semana na casa de praia de Emma, eu não gostei da ideia. Tentei recusar de várias formas. Mas elas não aceitaram nenhuma delas. Eu acabei vindo praticamente arrastada.
E que bom que elas não desistiram de mim. Essa vista, juntamente com a brisa do mar e o aquele céu tornavam aquele momento uma pequena prévia do paraíso. Isso tudo associado ao vinho vinho Chardonnay que dividíamos tornava o momento ainda melhor. Esse era o meu momento de fuga da grande confusão que estava a minha vida e eu aproveitaria cada segundo dele.
- Elo - Emma chama minha atenção -, nós estávamos pensando, se você não quiser responder está tudo bem, mas nós - a ruiva começa um pouco enrolada nas palavras. Emma estava nervosa. E então eu fico um pouco nervosa. Só haviam dois assuntos que ela poderia ficar nervosa para falar comigo. Minha fracassada relação com meu pai, que era de conhecimento geral, ou minha vida amorosa arruinada (que também era um conhecimento geral). E eu não sabia qual das duas era pior. Mas surpreendentemente eu estava torcendo para o assunto ser Nelson Piquet.
- O que ela tá tentando dizer é que queremos saber como estão as coisas com Timothée. - nunca, em quase trinta anos de vida, eu quis tanto que meu pai fosse o assunto de uma conversa. Não me importava todos os traumas e brigas. Qualquer coisa era melhor que aquilo.
- Está tudo bem se você não quiser falar. - Emma acrescenta rápido.
- Não está não! - Jenifer retruca - Como cupidos oficiais nós temos direito de saber como estão as coisas. - estavam. Eu a corrijo mentalmente. Eu estava evitando aquele assunto desde de manhã, quando pegamos a estrada de Nova York rumo os Hamptons. E eu estava indo muito bem. Até agora. Respiro fundo, criando coragem.
- Ele é bem... legal. - eu início, e pelas expressões das minhas amigas foi um péssimo começo. Mas não havia muito mais que eu pudesse acrescentar. Após a festa da casa de Emma nós saímos para comer um hambúrguer juntos e Timothée realmente tinha razão. Aquele era um dos melhores hambúrgueres que eu já havia comido, não apenas em Nova York, mas na vida. E havia Timothée. Ele era uma pessoa divertida e uma companhia muito agradável. E talvez isso seja o que mais esteja pesando na minha consciência. Nós tentamos sair novamente alguns dias depois, mas, por mais que ele fosse perfeito na teoria, para mim aquilo parceria tão errado. A verdade era que, tirando a profissão e nosso amor pelo cidade que não dorme nunca, nós não tínhamos nada em comum. Não havia como aquilo funcionar, e dois encontros foram o suficiente para que eu detectasse isso. Além disso, por mais que eu me odiasse por admitir e por sentir isso, havia um motivo mutio específico pelo qual aquilo jamais iria funcionar: Timothée Chalamet tinha um grande defeito, ele não era Charles Leclerc. - As coisas apenas não funcionaram tão bem na prática. - eu respondo desviando um pouco do assunto. Aquelas palavras eram suficientes para que elas entendessem. E só julgar pela expressão emburrada de Jenifer, o recado havia sido mais do que entregue.
- Talvez apenas seja tudo muito recente ainda. - Emma tenta aliviar o clima.
- Talvez sim. - respondo lhe lançando um sorriso de agradecimento.
- Eu realmente acho que você precisa superar esse Charles - Jenifer começa recendendo um olhar de reprovação de Emma. -, mas eu respeito a sua decisão de ir devagar. - ela acrescenta.
- Obrigada. - respondo verdadeira. Jenifer era uma pessoa um tando quanto difícil. As coisas com ela eram oito ou oitenta. E quando ela tinha uma ideia ou opinião, poderia ser muito difícil de mudar seu pensamento. E ela não gostava de Charles, e nem da nossa pequena "história". Ela não precisava dizer em voz alta para que eu soubesse disso. Ela não aprovava o que acontecido. E ela tinha razão. E como amiga, eu era grata por ela não gostar dele, porque no fundo eu sabia que eu mesma deveria odiá-lo. Mas não era possível odiar Charles Leclerc depois de olhar fundo em seus olhos verdes como duas esmeraldas. Eu iria superá-lo eventualmente. Eu sabia que iria. Mas talvez ainda não fosse o momento de seguir em frente como se nada tivesse acontecido. E o fato de eu ter me dado ao trabalho de assistir a corrida em Baku na semana pesada (eu até mesmo podia mentir para mim mesma e dizer que estava assistindo por Max, mas a esta altura do campeonato, nem eu iria acreditar nisso por um segundo que fosse) e de ter sofrido quando seu carro parou enquanto Charles liderava a corrida, e, principalmente, de ter sofrido como nunca quando Charlotte Sinè apareceu na TV, me fez perceber que eu ainda não estava pronta. E usar Timothée ou quem quer que fosse como escada era algo que eu jamais iria fazer.
- Cy está cada vez mais arteiro. - Jeni começa a falar do pequeno Cy e logo ela e Emma emendam algum assunto muito entusiasmado sobre maternidade.
Eu aproveito aquele momento para admirar a paisagem a frente. O sol havia se posto um pouco mais, e agora a fogueira realmente contribuía para a iluminação. Eu aproveito para pegar mais vinho. E apenas aproveito. O vinho. A paisagem. O momento. Até que meu celular começa a tocar. E minha expressão surpresa ao ver o nome na tela parece chamar a atenção das duas.
- Você não vai atender? - Emma questiona me fazendo perceber que eu estava paralisada.
- Sim, é só que, eu não estava esperando essa ligação agora. - eu repondo sincera.
- Quem é? - Jeni pergunta curiosa.
- Laszlo. - eu respondo.
- Qual dos irmãos é esse? - eu escuto Emma questionar enquanto me levanto para atender o telefone .
- O favorito. - Jenifer responde.
- Ela fala isso de todos.
- Mas pra esse ela realmente quer dizer. - eu sorrio com a resposta.
Eu tinha vários irmãos. E gostava muito de todos eles. Talvez o fato de não conviveremos tanto ajudasse nesse amor todo. Nelsinho, Kelly e eu dividíamos a mesma mãe, além de Nelson Piquet como pai. E isso era algo que nos unia de uma forma diferente da união que eu tinha com os demais. Crescer juntos, na mesma casa, trazia um sentimento diferente, era inegável. Além disso, o fato de Kelly e eu sermos as únicas mulheres definitivamente era algo que nos unia. Ela era minha irmã mais próxima, era minha parceira e melhor amiga.
Mas Laszlo era, de longe, meu preferido. E qualquer coisa diferente disso era uma grande mentira. O francês de Nice era apenas alguns meses mais velho que Kelly, e fora concebido durante um curto tempo em que meus pais estavam separados. O bebê da separação, como ele gostava de se autointitular. Pela proximidade de idade, todos sempre acharam que ele e Kelly seriam os mais próximos. Quase gêmeos, como meu pai dizia. Mas após meu nascimento e quando o espírito aventureiro e travesso de Laszlo começou a despontar, não poderia ser mais óbvio que sua alma-gêmea-irmã era eu. Os terrores do seu Nelson, como ele também gostava de nos autointitular. Nós não éramos o tipo de irmãos que mantinham contato o tempo todo, mas quando o fazíamos, era sempre verdadeiro. Nós nos entendíamos como ninguém. Além disso, ele certamente era o irmão mais divertido que eu tinha, o que lhe dava alguma vantagem na lista de irmãos favoritos.
- Oi. - eu falo ao atender o telefone quando já estava a uma pequena distância de minhas amigas.
- Achei que você não iria atender. - ele reponde irritado.
- E por que eu não atenderia?
- Bom, você esteve em Mônaco recentemente e não se prestou de vir em Nice me ver. - ele se finge de ofendido.
- Bom, eu estava em Mônaco recentemente e você não se prestou de sair de Nice para ir me ver.
- Justo. - ele se dá por vencido. - Eu estou com saudades.
- Eu também. - admito. Mas com um pé atrás. Eu conhecia Laszlo bem o suficiente para saber que saudade não era o único motivo daquela ligação.
- Sabe, a Penélope não é a sua única sobrinha. - ele fala brincando. Mas eu me sinto culpada. Eu havia visto Cecília, sua filha de apenas algum meses no Natal, quando a conheci, e desde então nunca mais. E apesar de ver as fotos e vídeos que ele mandava, eu era uma tia desnaturada, para se dizer no mínimo.
- Eu sinto muito. - e eu realmente sentia - Ceci deve ser enorme!
- Ela está sim, você precisa ver ela.
- Eu definitivamente preciso!
- Porque você não aproveita que está no seu ano de férias e vem ver ela esse final de semana? - eu havia comentado com ele nas festas de fim de ano que tiraria um ano de descanso e era óbvio que ele não havia esquecido. Ele nunca esquecia nada. Mas para ser sincera, ver minha minha sobrinha não era uma ideia ruim, muito pelo contrário. E Nice era um lugar encantador.
- Eu definitivamente não acho uma má ideia aproveitar uns dias no verão de Nice. - falo empolgada.
- Nice? Na verdade ... - ele começa um pouco embromado - Bom, eu tenho uns compromissos em Londres semana que vem e Kelly vai pra lá também, e bom... - ele segue se enrolando com as palavras - você sabe, uma coisa leva a outra, ela conversou com Nelsinho, que conversou com Pedro, que conversou com Marco, e bem, nós pensamos em...
- Alguém falou com Geraldo? - eu questiono. Pelo desenrolar do assunto eu já sabia que não viria algo bom pela frente, mas não pude ignorar ele não ter mencionado o nome do mais velho de nós.
- Eu sabia que a tinha esquecido alguém! - ele fala como se tivesse lembrado de algo muito óbvio. E realmente tinha. E eu retido o que havia dito mentalmente. As vezes Laszlo esquecia de algumas coisas. Nessa ocasião em específico, um dos irmãos.
- Vocês são horríveis! - eu falo indignada.
- Ele não precisa saber que esquecemos dele, é só fazer o convite e pronto. - Laszlo solta uma risada nervosa - Onde eu estava mesmo? - ele faz uma breve pausa. - Ah, então uma coisa levou a outra, e nós pensamos, quantas vezes no ano conseguimos nos reunir? Todos os irmãos juntos? - uma. Nas festas de final de ano. E eu conseguia viver bem com isso. - Então nós pensamos, você sabe... - ele segue enrolando.
- Fala logo. - eu o corto.
- Bom,... - Laszlo estava nervoso. Definitivamente o que estava por vir não era algo bom.
- Em comemorar o aniversário do papai adiantado. - ele fala em um tom tão baixo que eu não tenho certeza se não escutei ou se preferir não escutar.
- Vocês o quê?!
- Kelly disse que você ia ter essa reação.
- Eu agradeço pelo convite, mas irei me juntar ao Geraldo na lista dos esquecidos. - eu gostava da ideia de rever meus irmãos. Alguns pelo menos. Mas meu pai? Não. Eu estava feliz com a ideia de o reencontrar apenas em dezembro. E apenas por obrigação.
- Elo, por favor... - ele começa.
- Não! - eu o interrompo.
- Ele tem todos os defeitos do mundo, mas é nosso pai, e Silverstone é sempre um dos melhores GP's do ano. - e então eu congelo. Era muito pior do que eu imaginava. Ter de ver Nelson Piquet já era ruim o suficiente. Mas, além de tudo, ter o risco de dar de cara com Charles Leclerc? Não. Obrigada.
- Para mim é um não. A gente combina algo em Nice depois. - eu estava pronta para desligar, quando Laszlo prende minha atenção.
- Essa reação é pelo papai ou pelo Leclerc? - eu congelo novamente. Ele sabia. Como ele sabia?
Apenas um nome vem em minha mente.
- Você pode, por gentileza, avisar a Kelly que ela é uma mulher morta?
- Não fica assim Elo, ela não falou por mal, ela está realmente preocupada com você.
- Se ela tivesse realmente preocupa não tinha abrindo o pico.
- Eloise, sou eu. O seu irmão favorito. - filho da puta. E ele tinha razão.
- Não mais. - respondo.
- Elo, eu também estou preocupado.
- Eu estou bem.
- Se você estivesse bem, não estava fugindo do Leclerc igual o diabo foge da cruz.
- E quem disse que é dele que eu estou fugindo? - caso ele tenha esquecido, Nelson Piquet ainda era um sério candidato para motivo da minha fuga.
- Porque você já é uma mocinha bem crescidinha para fugir do papai. - um silêncio se instala.
Me irritava o fato de meu irmão me conhecer tão bem. E o fato de que estava sempre certo.
- Você nem precisa interagir com com o papai se não quiser, e nos podemos chutar todos os tifosis que vermos pela frente. - eu solto uma risada sem querer. - eu posso inclusive quebrar o braço do Leclerc e fingir que foi um acidente, a final de contas, todos aqueles anos de taekwondo tem que valer para alguma coisa.
- Você é terrível. - eu retruco.
- Por favor. - eu queria muito simplesmente dizer não. Mas eu não podia.
- Eu vou pensar, ok? - falo sincera.
- Pensa com carinho. - Laszlo diz antes de desligar.
Eu passo as mãos no cabelo enquanto sento na areia. Eu estava longe o suficiente das minhas amigas para não escutar o que elas falavam, mas ainda aproveitava um pouco da luminosidade da figueira, agora que o sol havia se posto por completo. E então eu olha para a brilhante lua no céu, pedindo por respostas.
O mais inteligente a se fazer era ignorar o convite indecente do Laszlo e fingir que aquilo nunca havia acontecido. Simplesmente não ir a porcaria de GP nenhum - principalmente para celebrar seu Nelson.
Mas ele tinha razão. Eu era uma mocinha crescida e que precisava enfrentar seus problemas. Os anos de terapia não haviam fechado todas as feridas, mas certamente uma grande parte dos meus traumas paternos já foram superados. E, para ser justa, ele nem foi tão ruim assim no fim de ano. E o paddock era grande. Se eu quisesse, e tentasse, conseguiria fugir de Charles. Eu poderia ficar enclausurada no box da RBR, eu estaria segura lá. E, de qualquer forma, não era justo que eu me privasse de passar um tempo com meus irmãos, ou do que quer que fosse, por causa desses dois idiotas. Talvez fosse a hora de encarar os meus problemas de vez.*****
Espero que tenham gostado! Até o GP da Inglaterra 🏴
Spoiler: reunião familiar à vista!

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Fiksi PenggemarEloise Piquet era, como seu pai gostava de lembrar, "a filha desviada". Vinda de uma família que respirava automobilismo, Eloise sempre ignorou todo o peso que seu sobrenome tinha nas principais categorias do automobilismo mundial. Ela odiava esse m...