Prólogo - Fui La Niña

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Fui la niña, que siempre quisiste en mí
Fui la niña, que todo cambió por ti

– Já está pronta, querida? – Enrique Puente dizia ao entrar no quarto de sua filha enquanto esboçava um sorriso irritante que com certeza tinha a intenção de a provocar.

Ela apenas ergueu uma de suas sobrancelhas e disse um "infelizmente" quase que como um sussurro de quem não queria conversa com o senhor à sua frente.

– Não adianta fazer essa cara, você sabe muito bem os motivos dessa mudança.

– Seu novo negócio totalmente lícito e a correção de postura da sua pobre filha desajustada? – ela já não sussurrava mais, estava irritada com o pai e facilmente acabaria brigando com ele – Eu não sou mais uma criança pai, não vai ser com o castigo de ir para uma cidade minúscula e cheia de caipiras que você vai me fazer mudar.

– Minha querida filha – respirou fundo para tentar prosseguir com o mesmo tom de voz sínico de antes – Não vou permitir que fale assim dos negócios que sustentam nossa família e que te dão a boa vida a qual está acostumada, antes de tudo, não se esqueça que toda essa mudança brusca é culpa sua. Se não fosse o seu último showzinho infantil, estaríamos agora mesmo almoçando no La Carmencita.

Ele se referia ao seu aniversário de dezessete anos. Anahí Puente havia bebido mais do que devia e decidido que era um bom dia para fazer strip-tease no palco onde sua banda favorita tocava para algumas centenas de convidados – enquanto cantava a música Daddy Lessons que era praticamente uma afronta direta a sua família – e para completar, desapareceu logo em seguida com um dos garçons que havia contratado pessoalmente.

Enrique sempre soube que a filha agia assim, sempre liberava suas saídas noturnas contanto que suas tarefas tivessem sido realizadas e nunca havia se importado com seus desvios de caráter – sendo sincero consigo mesmo, nem se importava mais com ela a um bom tempo –, mas no aniversário de dezessete anos da jovem, ele esperava que tudo ocorresse de maneira diferente. Ele havia convidado todos os seus amigos de negócios para apresentar a caçula a mídia e anunciar oficialmente que ela seria a herdeira de seu império e que futuramente seria presidente das empresas já que sua filha mais velha, Marichelo Puente, havia desaparecido a quase quatro anos.

Mac – como os mais íntimos a chamavam – era fruto do amor de adolescência de seu pai e sua colega de sala, Tisha Hernandez. Eles haviam se apaixonado loucamente enquanto ainda se preparavam para entrar na universidade e ele ainda não imaginava que fosse sair da pequena cidade onde havia nascido e sido criado no interior dos Estados Unidos para se tornar um grande magnata no México. Pouco tempo depois do nascimento da menina, aquela família que acabara de se iniciar fora abalada por uma tragédia inesperada e inexplicada, responsável por encerrar a vida de Tisha e levar consigo uma parte do coração do homem que era completamente apaixonado por sua mulher.

Desde essa perda, Enrique dedicou sua vida a cuidar de Marichelo e trabalhar até que fosse capaz de proporcionar uma vida de luxos para a pequena bebê que agora era a sua razão de viver. Não demoraram muitos anos para que seu primeiro negócio começasse a render bons frutos, houvesse seu segundo casamento – dessa vez com uma estilista, filha de um grande amigo nos negócios – e terem mais um bebê em seus braços, dessa vez em solo mexicano na tentativa de um recomeço.

Embora as garotas Puente tivessem mães diferentes, o vínculo criado entre as irmãs era além do sanguíneo e se amavam mais do que poderia ser possível. Era nítida a grande diferença na criação de ambas, mas no fim do dia uma ia para o quarto da outra para narrar os acontecimentos recentes e as novas fofocas, ver um filme clichê e trocar carinhos entre si. Infelizmente, todo esse amor foi convertido em ódio conforme os dias, meses e anos foram passando em seguida ao misterioso desaparecimento de Marichelo. Ela não só abandonou sua irmã nas mãos dos pais que futuramente seriam responsáveis por todos os desvios de caráter da menina como também deixou seu pai imensamente amargurado e sem a única parte que havia restado de seu coração, se sentindo completamente incapaz de amar novamente.

Não era como se Anahí nunca tivesse recebido amor de Enrique, nos seus primeiros momentos de vida ela até foi abraçada por esse sentimento, mas enquanto crescia, esse amor foi se esvaindo como uma névoa passageira até que toda a camada palpável desapareceu completamente. Ela estava vivendo sempre nas sombras das expectativas que haviam criado e nela estavam recaindo apenas as críticas e os julgamentos que eram pesados demais para uma criança suportar. Talvez, fosse amada por alguém, mas nunca seria como Marichelo. Nunca seria fruto de um grande amor e nunca seria boa o suficiente para o pai.

Depois que a mais velha se foi, o que antes foi uma forma de manter a mente ocupada se tornou uma obrigação, mesmo tendo quase quinze anos e ficado completamente deprimida pelo que acontecera, não teve muito tempo para chorar suas mágoas. Decidiu que era hora de mostrar sua força ajudando os adultos a lidar com os negócios, tendo que conciliar a escola com inúmeras responsabilidades novas e assim, se ocupando tanto que não era obrigada a lidar com a dor.

Ela vivia o terceiro estágio do luto antes mesmo de passar pelos dois primeiros e não pretendia viver nenhum outro, a barganha lhe parecia confortável.

Ao longo do tempo, os seus vícios em bebidas e festas começaram a surgir: durante o dia passava horas estudando sobre a indústria têxtil e à noite – quando finalmente tinha uma folga – saía para festas e voltava apenas no dia seguinte em uma tentativa de aliviar a mente das pressões que recebia. As saídas tinham uma condição: Deveria manter seu sobrenome em segredo e evitar fotos, aparições públicas ao lado da família eram totalmente descartadas e não poderia haver entrevistas. Se antes isso não fazia parte da sua realidade mesmo tendo uma mãe famosa no meio, estaria fora de cogitação após um desaparecimento sem rastros. O patriarca dizia que era uma tentativa de proteção e que quando chegasse a hora certa todos a conheceriam, mas talvez isso fosse apenas uma forma de mascarar sua própria indiferença.

A família Puente chegou a ter um bom relacionamento – na medida do possível – durante os anos que antecederam o desaparecimento da filha mais velha. Ela era admirada e invejada por sua irmã, já que Enrique passava mais tempo com a primogênita e não escondia de ninguém o seu favoritismo ao lhe confiar um cargo importante nas indústrias Puente quando tinha apenas dezesseis anos e sempre deixar claro o quanto era orgulhoso dela em entrevistas, enquanto a mais nova não podia ao menos ser citada publicamente. Seu aniversário de dezessete anos seria uma espécie de apresentação a sociedade. Uma festa antiquada e cheia de etiquetas que tinha o objetivo de finalmente revelar seu rosto e anunciar que ela se prepararia para seguir os caminhos do pai. Mas todos os anos de sigilo foram rapidamente estragados, todos os anos de preservação e planejamento cuidadoso para um futuro brilhante foram desperdiçados em apenas algumas horas de festa.

Por algum motivo, Anahí julgava que a culpa era toda de seu pai, mas independentemente do achava, seria ela quem sofreria as consequências.

O magnata sabia o jeito perfeito de colocá-la nos eixos e se vingar pela vergonha que passou. O primeiro passo era tirar dela a vida agitada que tanto gostava, mudando da grande Cidade do México para a minúscula Jardín de La Luna onde ele crescera e se apaixonara. Era não só a tentativa de abafar o escândalo que movimentava a imprensa, mas também expandir seus novos negócios pelos Estados Unidos. De brinde, ainda iria tirar dela tudo o que pudesse desviar seu foco, lhe dando tempo de sobra para aprender contra a sua vontade tudo sobre o cargo que estava imposto em seu futuro. 

Anahí obviamente não estava feliz com isso e desejava fazê-lo se arrepender dos castigos em que a colocou.

– Só te digo uma coisa pai, logo, logo você vai se arrepender disso e vamos voltar correndo para casa – Enrique a olhou com desdém e se dirigiu a saída.

– É o que vamos ver – apenas fechou a porta e se foi.

Manipular era algo que Anahí sabia e dominava com destreza, havia sido ensinada pessoalmente por ele para conseguir lidar com dezenas de engravatados machistas e rudes que a cercavam quando começou a frequentar o escritório. Estava disposta a fazê-lo provar do próprio veneno.

Afinal, ela era filha do seu pai.

AnahíOnde histórias criam vida. Descubra agora