Prólogo

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O SOL JÁ ESTAVA QUASE totalmente posto a oeste do horizonte montanhoso de Pleven quando as primeiras carruagens estacionaram ruidosas em frente ao castelo. As sombras das laterais do pátio ocultaram brevemente as figuras misteriosas que se adentravam apressadamente o atravessavam, recepcionadas de perto pelas dezenas de serviçais de seu anfitrião.

A menina não os vira de perto quando chegou. Estava agachada ocupada com a remoção das manchas de cinzas da tapeçaria quando, da área dos empregados, ouviu o relinchar dos cavalos e rolar as rodas dos veículos na parte externa. O som infrequente de vozes observadas no quase sempre taciturno palácio lhe aguçou a audição. Pôs-se na ponta dos pés para enxergar melhor os visitantes além da amurada que separava o espaço onde ela e os pais guardavam do restante do castelo.

Impelida por uma curiosidade contagiante, moveu-se de modo a seguir os filhos dos passos suaves e elegantes a subirem os degraus de pedra que davam nos andares superiores, aqueles para os quais foi instruído a nunca vencer seus limites. Enxugou as mãos molhadas e engorduradas no avental diante do colo. Enfiou as mechas de cabelos pretos por baixo do lenço a prendê-los na cabeça e andou apressada escada acima tentando entender o que os convidados do seu patrão diziam uns com os outros.

Estão falando em um idioma estrangeiro. Eu não os entendia , pensava, levemente infeliz em sua gratidão.

Ao longo dos quatorze anos em que vivera naquele castelo, nunca havia estado naquele corredor — nem mesmo para prestar os seus serviços domésticos — e maravilhou-se com a grandiosidade da construção vista dali. Do alto da torre, de uma janela estreita e vertical na lateral, podia ver toda a paisagem circundante da região, e perdeu alguns segundos a admirar a beleza natural que nunca antes havia podido perceber da parte mais baixa do quarto pequeno e escuro onde dormia com os pais.

Colinas ondulantes e florestas verdejantes rodeavam a imensidão do castelo. Alguns picos de montanhas eram tão altos que ainda não tinham nenhum topo, apesar do calor do verão na Bulgária. Mais além, os olhos castanhos da garota enxergavam campos abertos onde pastavam o gado e as ovelhas dos fazendeiros vizinhos. Até mesmo o som dos animais de rebanho parecia ter outro sentido naquela altura. Lhe soava como música aos ouvidos.

Enquanto a luz do sol começava a minguar, ela via um pequeno rio serpenteando por entre as árvores e pontes rústicas de madeira, e pode até enxergar alguns barcos navegando em suas águas tranquilas mais ao longe. Sorriu imaginando mil histórias sobre as vilas e cidades próximas, com suas casas baixas e telhados de telhas de barro vermelho, cercadas por muralhas de pedra. E, de repente, realizou que o mundo era muito maior do que o seu quarto estreito e frio.

Havia vida além das paredes cinzentas daquelas torres pontiagudas com seus arcos ogivais onde ela vivia desde sempre. Por um momento, aquele pensamento lhe deu algum conforto e esperança de que um dia ela pudesse sair do castelo para conhecer o mundo.

Quando a garota deu-se por si, as vozes já haviam se afastado escada acima e ela apressou o passo a fim de captá-las novamente. Erguia o vestido comprido de algodão ordinário que trajava para ganhar maior mobilidade nas passadas largas, e os pés calçados em seus sapatos de couro causavam ruído enquanto ela pisava no chão pedregoso.

Alcançou logo um corredor largo e reto inteiro forrado por um tapete colorido e macio. O negrume crescente da noite ameaçava esconder completamente os contornos das paredes agora iluminadas por tochas penduradas em suportes de ferro presos às paredes. Ao atender à frente o soar eufônico da voz do homem que empregava a sua família, titubeou em seguir mais pelo corredor a se afunilar, e se viu parada diante de uma parede decorada com uma tapeçaria de cor vibrante, retratando cenas de batalhas e caçadas.

Ao seu redor, havia móveis de aparência antiga e maciça. Uma grande mesa de carvalho se destacava no centro do corredor, cercada por cadeiras altas e esculpidas. Sobre ela, havia uma enorme vasilha de ferro cheia de frutas e um prato com pão fresco. Em um canto do corredor, avistou um armário alto com portas de vidro e, em seu interior, livros encadernados em couro jaziam guardados como relíquias preciosas.

Alina e o Concílio de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora