OS DIÁRIOS DE DUMITRI
13 de agosto, 1766.
No presente dia, completa-se exatamente um ano desde o momento em que invadi o curral e ataquei impiedosamente Judith. As lembranças desse terrível ato permanecem vívidas em minha mente, como se tudo tivesse ocorrido há apenas alguns instantes.
Ainda posso sentir o gosto do seu sangue a impregnar a minha boca. Do cheiro de ferro a exalar da ferida em seu pescoço. Do som agudo dos seus berros desesperados. Dos seus movimentos bruscos para libertar-se do meu abraço mortal...
Pobre Judith.
A minha sede por sangue não se aplacou mesmo após eu ter esvaído as veias da ovelha mais robusta da nossa criação. Pelo contrário.
Naquele dia, senti como se pudesse me alimentar de todo o rebanho da fazenda que, ainda assim, a insaciabilidade mortal que me devorava não cessaria.
Eu tinha me transformado em um monstro, o que provocou um medo brutal em meus pais.
Depois de me flagrar coberto dos pés à cabeça com o sangue de Judith, debruçado sobre o animal e a agir feito um lobo faminto, papai não teve dúvidas do que precisava fazer. Bateu-me com o cabo de uma zagaia de teixo até que eu voltasse a si e, depois, trancafiou-me no celeiro por quase uma semana, sem água, sem comida ou sequer uma explicação do motivo de tudo aquilo.
Enquanto refletia sobre a razão pelo qual ele estava tão zangado, uma vez que, num primeiro momento, eu não me lembrava do que havia feito no curral, comecei a sentir os primeiros efeitos da luz solar em minha pele. Os feixes finos que entravam pelas frestas das madeiras queimavam-me, cozinhando o tecido e as fibras musculares, provocando uma dor agonizante que só cessou quando minha mãe se compadeceu de meus gritos e me acolheu dentro de casa.
No primeiro mês depois da minha transformação, meu pai selou a janela e os espaços por entre as tábuas das paredes do sótão, e aquele espaço pequeno e claustrofóbico passou a ser o meu único lar.
Nem ele, nem mamãe, sabiam o que se sucedia ao seu único filho, mas compreendiam que eu precisava permanecer isolado a fim de que não representasse perigo para eles, para os animais da fazenda ou para os vizinhos que nos rodeavam.
Na minha clausura, senti todo o meu corpo mudar espantosamente; desde a inexplicável tonificação muscular de braços e pernas até o crescimento rápido e prolongado dos meus cabelos.
Meus sentidos tornavam-se cada vez mais sensíveis e, mesmo na escuridão total do meu quarto, era como se eu pudesse sentir todo o ambiente ao redor da casa. Tudo era percebido: as fezes das cabras recém-raspadas da pá de meu pai; o zumbido das abelhas polinizando os gerânios do outro lado da cerca oeste e o gosto das ameixas colhidas por minha mãe.
Sentia-me como se pudesse, de dentro do sótão, abarcar todo o espectro do mundo que me cercava, percebendo-o através de uma gama ampla de sons, odores e sabores que me invadiam em simultâneo. Quanto mais me aplicava em domar esses estímulos, a fim de não ser tomado pela loucura, mais eu sentia em mim a singularidade e o poder.
Naquele momento, ignorando a verdadeira natureza das mudanças físicas que se operavam em mim, eu intuía ter sido incentivado por alguma força divina e milagrosa.
21 de junho, 1769.
O incêndio que alastrou-se pela fazenda Ardelean naquela noite não pode ser detido nem mesmo pela ação conjunta dos nossos vizinhos. O fogo tinha começado a consumir a palha do celeiro, atingiu as tábuas da parede, correu pela grama seca diante da casa e se espalhou até alcançar o quarto de meus pais.
Em minha fúria cega, eu havia me libertado das correntes que papai usava para me prender no interior do sótão e corri atordoado em direção ao curral. Como que capazes de detectar o mal que assolava o meu corpo esguio e descarnado, as ovelhas se precipitaram em direção ao portão dos fundos, tentando escapar do seu destino cruel.
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Alina e o Concílio de Sangue
FantasyEm "Alina e o Concílio de Sangue", a intrépida vampira secular romena, Alina Grigorescu, enfrenta um novo e perturbador desafio. Após ter confrontado seres malignos para proteger sua família e o mundo da sinistra Ordem do Portal de Fogo, Alina vê-se...