Capítulo 10 - Jogos e marionetes

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NO DECORRER DAQUELA semana, com a ajuda imprescindível da minha filha, eu localizei os familiares dos quatro criados assassinados cruelmente nas dependências do castelo Constantinescu e, ainda por telefone, fiquei incumbida de dar as más notícias a todos eles.

Com acesso a parte dos bens pertencentes a Costel e na condição de sua única herdeira legal, Alexandra providenciou pessoalmente todos os trâmites que envolviam a liberação dos corpos, a compra de jazigos e o sepultamento dos empregados do castelo em seus respectivos países de origem.

No tempo em que vivera na Transilvânia, a garota tinha se acostumado à gentileza do francês Jean-Paul, o bom humor do dinamarquês Ørjan, a prestatividade do romeno Petru e até mesmo a bondade da britânica Betsy. Queria que eles fossem enterrados com dignidade, e não poupou despesas para que isso acontecesse.

A vila, até então, pacata de Petecu se tornou alvo da especulação jornalística durante aqueles primeiros sete dias após o incidente ocorrido na igreja local. Isso porque a suposta presença de um lobisomem de pelos claros estava sendo largamente difundida por entre os moradores da região. A minha luta contra Alex não tinha sido, necessariamente, conduzida com sutileza por nenhuma de nós duas, e o evento de luta-livre entre monstros não demorou a chegar aos ouvidos da imprensa.

Causando bastante alvoroço e pânico na população, um tabloide das redondezas publicou de maneira irresponsável os relatos de cinco residentes de Petecu que afirmavam, categoricamente, terem visto um homem-lobo de dois metros de altura e de pelos dourados rondando o lugar. Segundo eles, a criatura fantástica atacou vários moradores da cidade antes de invadir o solo sagrado da paróquia com o claro intuito de devorar os poucos fiéis que a visitavam naquele início de noite.

Embora tudo fosse tratado de uma maneira quase jocosa pelos jornalistas, aquele artigo de domingo foi suficiente para que as pessoas começassem a criar teorias de um ataque em massa de lobisomens, tal qual em um filme de baixo-orçamento produzido para os cinemas dos Estados Unidos. Eu tinha assistido "O Lobisomem" de George Waggner em 1941, e tinha odiado o enredo. Era absurdo que as pessoas acreditassem que o que acontecia na tela pudesse ser real.

Tentei lhe esconder o máximo que pude aquelas notícias aterradoras, mas quando ela teve acesso aos jornais daquela semana, Alexandra desabou em resignação e autopiedade.

— Fui eu que matei todas aquelas pessoas... Eu sou um monstro horrível!

Quando me sentei para ter uma conversa franca com Alex a respeito de tudo que havia lhe ocorrido recentemente, tentei amenizar a gravidade dos fatos. Aquela tinha sido, provavelmente, a sua primeira transformação em vircolac ocorrida por vontade própria, e a criatura maligna havia controlado a sua vontade em quase a totalidade do tempo de sua metamorfose. Apesar disso, quando todas as minhas demais tentativas haviam falhado e eu apelei ao lado humano dentro do monstro, foi isso que fez toda a diferença.

— No final, você conseguiu controlar a criatura, Alex. O seu lado humano sobrepujou a sede assassina do vircolac. É nisso que tem que se focar agora.

Ela estava sentada na beirada da sua cama, no quarto que ficava aos fundos do terceiro piso. Havia pôsteres de filmes de fantasia antigos emoldurados em duas das quatro paredes de teto alto do cômodo, com destaque para uma horrenda imagem promocional de "Nosferatu", de 1922, bem ao centro das demais. Além de cinema e teatro, ela também tinha se apegado à música na última década. A sua vitrola jazia bem ao canto leste, ao lado da sua imensa coleção de discos de vinil.

— Mas a que custo, mãe? — me indagou, com os dorsos das mãos sobre o colchão e os dedos levemente flexionados. Os encarava como se ainda estivessem sujos com o sangue das suas vítimas, e se compadecia. — Eu estava lá o tempo todo. Eu via as pessoas fugindo apavoradas enquanto eu avançava sobre elas, as dilacerando com as minhas garras... Era como se eu fosse uma marionete e outra pessoa estivesse manipulando o meu corpo, a minha vontade... Eu não consigo esquecer.

Alina e o Concílio de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora