Capítulo 37

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Helena estava há quase dez minutos parada na soleira da porta analisando cada movimento de Maria. A mulher preparava waffles com precisão e agilidade. Usava um avental branco por cima da camisa de botões preta que Helena uma vez lhe presenteara e uma calça jeans comum. Seu cabelo estava preso em um coque perfeitamente alinhado enquanto os olhos não perdiam um movimento sequer de seu trabalho de mexer a massa.
                     
-- Deseja alguma coisa, Senhora? Estou te vendo aí. -- A mulher disse sem sequer olhar para Helena. Helena até riria caso não estivesse tão magoada e nervosa. A mulher sempre tinha a habilidade de perceber a presença de Helena.
                     
-- Você... Clara...
                     
-- Respire e foque no que quer me dizer, criança. -- Maria disse calmamente, conhecendo Helena o suficiente para saber que ela costumava falar nada com nada quando se sentia insegura. A mais nova assentiu lentamente enquanto se aproximava.
                     
-- Clara me pediu para conversar com você. -- Ela disse sem fitar a mulher nos olhos.

-- Oh, ela já acordou?

-- Não. Ela ainda está dormindo. Tomei um banho e vim fazer o que ela me pediu ontem. -- Falou.
                     
-- Essa garota vale ouro. -- Maria disse sorrindo, ainda mexendo a massa.
                     
-- Sim. -- O sorriso de Helena se abriu verdadeiramente.
                     
-- Sabia que ela que me pediu para te contar a verdade?

-- Maria disse lhe olhando pela primeira vez. -- Essa garota gosta mesmo de você.
                     
-- Gosta? Por quê? O que ela disse? -- Helena perguntou animadamente, puxando uma cadeira e olhando atentamente para Maria. Clara já lhe havia dito que era apaixonada por ela, mas saber que dizia isso para outras pessoas a deixava ainda mais segura disso. Maria riu e balançou a cabeça.
                     
-- Oh, eu não lhe direi o que ela me disse. Isso seria errado. -- Ela disse sorrindo. -- Mas pelo que ela disse posso garantir que ela gosta de você.
                     
-- Ela é incrível. -- Helena disse com os olhos brilhando.

-- Hey... Espere! Você está me enrolando. Não vim falar de Clara. -- Maria riu e lhe fitou.
                     
-- Não estou te enrolando, criança.
                 
-- Então podemos... conversar? -- Maria assentiu. -- Ótimo. Sente-se aqui comigo.        
 
-- Eu preciso...               

-- Depois! Quero conversar direito. -- A mulher assentiu e parou o que fazia. Lavou suas mãos rapidamente e as enxugou, levando uma mão ao laço do avental e o soltando. O pendurou por ali e se aproximou, puxando uma cadeira e se sentando.
                     
-- Certo. O que quer saber? -- Apesar de tentar parecer calma, Maria estava quase tremendo.
                     
-- Como você teve certeza que meu pai era o... ? Você sabe...
                     
-- Eu fugi por um mês com ele. Não me entreguei a ninguém nesse tempo. -- Falou olhando para Helena.
                     
-- Ele acreditou? -- Maria negou com a cabeça.
                     
-- Ele aceitou me dar comida e um teto até você nascer para fazer o exame. -- Confessou. -- No dia que você nasceu... -- O sorriso de Maria se abriu e seus olhos brilharam. -- Chovia muito. Me lembro de ter medo do futuro, mas aí escutei seu chorinho, filha... -- Ela tentou segurar na mão de Helena, mas a mesma recuou. -- E então eu soube que não importava mais nada desde que você estivesse comigo.
                     
-- Então por que nunca me disse? -- Era mágoa em sua voz.                    

-- Após o exame que comprovou ao seu pai que você era filha dele... -- Ela limpou a garganta. -- Ele disse que eu deveria ir embora. Ele sempre dizia isso durante a gravidez, mas eu nunca levei a sério.
                  
-- E o que você fez? -- Helena perguntou curiosa.
                     
-- Implorei. -- Uma lágrima solitária rolou de seus olhos, até ela enxugar a mesma. -- Me ajoelhei, me humilhei, mas ele continuava dizendo que eu não seria um bom exemplo de mãe. -- Falou e logo respirou fundo. -- Então me propus a trabalhar de graça para ele. Ele só aceitou depois que jurei nunca te revelar quem eu era.

O silêncio predominou o lugar. Helena não sabia o que pensar e nem o que dizer, não podia acreditar no que seu pai havia feito.
                     
-- Você trabalhou de graça todos aqueles anos? -- Perguntou chocada, vendo Maria assentir.   
-- Comecei a receber apenas depois que ele faleceu. Não queria levantar suspeitas para a senhora. -- Maria disse abaixando a cabeça.

                     
-- Por quê nunca me contou? Depois que ele morreu você poderia...                 

-- O que eu diria? -- Maria perguntou firme. -- "Hey, sou sua mãe, a ex prostituta que seu pai fez questão de manchar a imagem durante toda a vida."
                  
-- O que você fazia não iria interferir em nosso relacionamento, mãe! -- Helena gritou, fazendo Maria arregalar os olhos, para sorrir logo depois. Lágrimas de felicidade rolavam de seus olhos ao ouvir Helena lhe chamar de mãe.
                     
-- Quero que saiba de algo. Eu jamais desejei fazer o que fazia no passado. -- Esclareceu. -- Meu tio me forçava e me espancava caso eu não fizesse. -- De seus olhos não parava de descer lágrimas. -- Tentei fugir várias vezes, mas ele era muito conhecido, sempre lhe diziam onde eu estava... Eu jamais quis... Acredite em mim, eu nunca quis...     
            
-- Eu acredito! -- Helena disse, estendendo a mão para segurar a de Maria. -- Posso te pedir algo? -- Maria assentiu. -- Poderia... me abraçar? Igual quando fazia quando eu tinha quatro anos?
                     
-- Você lembra? -- Maria perguntou chocada.                    

-- Jamais esqueceria. -- Ao ouvir isso Maria abraçou forte sua filha. Sentir o cheiro de seu neném já crescido era maravilhoso, mas a sensação de saber que Helena finalmente sabia era libertadora. -- Eu sempre te considerei uma mãe, de qualquer forma. -- Helena sussurrou, fazendo Maria chorar ainda mais. -- Desculpe fugir de você.
   
-- Oh, criança. Filha, minha filha... -- Disse. -- Eu que lhe devo desculpas. Eu te amo tanto, meu neném!
                     
-- Também te amo... mãe! -- Maria havia sonhado por anos com o som dessas palavras sendo proferidas por Helena para ela, mas a realidade era ainda mais cativante.
                     
-- E que tal se prepararmos uma bandeja especial de café da manhã para a sua esposa, hm? Acho que lhe devo uma vida de favores.     
              
-- Ótima ideia! -- Helena disse, dando um beijo no rosto de Maria. -- E, mãe...                 
 
-- Sim?          

-- Obrigada por nunca ter saído do meu lado. -- Maria sorriu emocionada.
                     
-- Clara tinha a razão, afinal.
                     
-- Em quê? -- Perguntou arqueando uma sobrancelha.
                     
-- Você é mesmo madura e quero que saiba que me enche de orgulho, criança. -- Helena abriu um sorriso sincero ao ouvir aquilo.
                     
-- Senti sua falta esses dias.

-- Eu também, filha. Eu também.

Clarena- Over The RainbowOnde histórias criam vida. Descubra agora