Capítulo 47

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Aquela madrugada havia sido cálida, com a temperatura amena e agradável, no entanto o friozinho das cinco horas da manhã atingiu o quarto de Helena e Clara, fazendo a mais nova se encolher na cama, já que Helena não estava nela. A mais velha a olhou se aninhando em seu próprio corpo e suspirou, ignorando a vontade de abrigá-la em seus braços e voltou ao trabalho. A cada peça colocada dentro da mala preta Helena se via mais confusa. Como poderia estar indo contra seu instinto? Clara parecia tão sincera ao dizer que não havia lhe enganado.

                            
Sentia o efeito do álcool desaparecendo conforme as horas iam passando e por fim colocou a última peça de Clara na bolsa, fechando o zíper da mesma e voltando a olhar para a menor. Se aproximou da cama e se permitiu admirar a beleza de Clara sem a presença de nenhuma maquiagem.
                       
O nariz fino combinava com o formato delicado de seu rosto e seus longos cílios. Sua boca rosada era o toque final para aquela vista purificada de uma Clara ressonando pacificamente, com alguns fios de cabelos jogados sobre seu rosto. Quem a visse assim jamais diria que havia dormido entre soluços de um choro contido, enquanto abraçava sua esposa após uma foda intensa.                             

Helena entortou a boca ao lembrar do que Clara havia proposto e, apesar de ter aceitado, sabia que não importava o jeito ou as palavras usadas. Com Clara sempre faria amor; mesmo na agressividade de palavras de baixo calão; mesmo nos apertos intensos e excesso de sensualidade; mesmo preenchida de raiva e de dor; mesmo trepando, ainda assim faziam amor. Porque ela a amava, da forma mais pura e sincera que alguém poderia amar uma pessoa.                              

A pele bronzeada estava exposta e por isso Helena se inclinou, puxando o lençol mais para cima, tratando de cobrir sua esposa vagarosamente para não acordá-la. Suspirou ao lembrar de como havia conquistado Clara paulatinamente no passado e se questionou o fato de se realmente tinha realizado tal proeza.                       

Colocou um roupão felpudo no lugar de seu robe, afinal estava friozinho àquela hora da noite, e vestiu suas pantufas, olhando mais uma vez para Clara antes de sair do quarto.                          

Desceu as escadas que davam na cozinha, ouvindo ainda o som da música vinda do salão principal. Àquele horário geralmente só sobrava ali os bêbados deprimidos e Helena pensou que poderia se encaixar bem nesse termo.                            

Adentrou a cozinha e dali pôde ouvir o barulho dos grilos que vinha do lado de fora. Sentiu um aperto no coração ao lembrar da risada de Clara sempre que comentava sobre como amava tal ruído.
                         

Caminhou até o fogão e tomou um susto ao ouvir a voz conhecida ressoar no lugar.


-- O que faz acordada a essa hora, minha filha? – Maria perguntou, puxando uma cadeira e se sentando.


-- Apenas... Acho que perdi o sono. – Helena disse sorrindo fraco para sua mãe. As olheiras e os olhos avermelhados fizeram Maria perceber que sua filha havia chorado.

-- O que houve, meu amor? – Maria perguntou preocupada.

-- Nada, mãe. O que faz aqui a essa hora? – Perguntou lhe encarando.

-- Eu que limpo a bagunça, se lembra? – Ela perguntou rindo. – Agora sente aqui e me conte o porquê de estar parecendo um pedaço de lixo ambulante. – Helena suspirou e caminhou até ela, se sentando ao seu lado.


-- Acho que bebi demais. Vim tomar um pouco de café para ver se me ajuda a recobrar a completa sobriedade. – Disse sem ânimo evidente.



-- Tudo bem, agora me conte o motivo de ter se embebedado. – Maria disse segurando uma das mãos de sua filha e começou uma carícia confortante. Sabia que Helena não era do tipo que bebia até perder as botas.

-- Clara nunca me amou de verdade. – Falou baixinho. – Mas qual a novidade, não é? Quem amaria? – Perguntou sentindo um nó se formar em sua garganta.
                   

-- Oh, querida. A bebida te pegou forte mesmo. – Maria disse negando com a cabeça. – Essa é a maior besteira que já te ouvi dizer em anos.


-- Quem dera fosse besteira. – Helena disse rindo desgostosa. – O ex dela estava embaixo do meu nariz todo esse tempo e eu, estúpida, não havia notado. – Explicou. – Eles iriam fugir juntos, mãe. Hoje. – Maria franziu o cenho com a informação. – Pois é... – Helena disse ao ver a expressão da mãe. – E ainda... ainda tiveram um evidente momento íntimo na biblioteca enquanto eu trancava os quartos.


-- Íntimo?


-- Sexo, mãe. – Helena foi direta e Maria arregalou os olhos.


-- Bem, então essa é a maior estupidez ocorrida no ano.


-- Sim... – Helena disse abaixando a cabeça tristemente. – Ainda não acredito que ela pôde fazer isso comigo.


-- Eu estava me referindo a você acreditar nesse monte de besteiras. – Maria disse. – Quem te disse que eles transaram e que fugiriam? Clara?


-- Não, mas ouvi eles conversando.


-- E ela disse com todas as letras isso? – Helena pensou um pouco e por fim respondeu.


-- Não, mas jamais negou nada. – Maria bufou e negou com a cabeça, irritada.


-- Por Deus, você sempre foi tão inteligente e agora está parecendo que puxou os genes de seu pai, de tão estúpida. – Falou.


-- Você não ouviu o que eu ouvi para estar me julgando. – Helena disse irritada.


-- Filhota, você está me dizendo que hoje... durante a festa... Eles transaram, hm?


-- Sim.


-- Impossível. – Maria disse. – Estive todo o tempo lá servindo. Mantive os olhos nela a noite inteira. – Falou. – Ficou com Lumiar o tempo inteiro ao lado da mesa de taças e só saiu quando Paula a chamou, poucos minutos depois de você subir. – Falou olhando para Helena, que franziu o cenho.


-- Eu não entendo... Eles não poderiam ter tido sexo em tão pouco tempo... – Helena deduziu.


-- E mesmo que eu não tivesse te dado essa informação. Por que Clara escolheria fugir, viver foragida, quando você lhe ofereceu o divórcio e uma casa? – Maria perguntou, se lembrando do que a filha havia lhe contado em uma de suas conversas.


-- Não sei. Algum plano para ter dinheiro, talvez.


-- Dinheiro? Que dinheiro a pobre moça teria se fugisse hoje, querida? – Perguntou lhe lançando um olhar doce. – Você bebeu e quando bebe não pensa direito.


-- Será que fui injusta? – Helena perguntou com horror nos olhos, ainda se sentia zonza pelo álcool.


-- Sabe por que te contei que sou sua mãe?


-- Porque Clara te pediu. Você já disse.


-- E um simples pedido dela obviamente me faria resolver revelar o maior segredo da minha vida, certo? – Perguntou e Helena voltou a franzir o cenho.


-- É verdade... – Disse parando para pensar. – Como ela te convenceu? – Maria abriu um sorriso satisfeito, afinal era nisso que ela queria chegar.


-- Ela disse que não queria te esconder nada, filha. Que estavam começando algo e ela queria começar do jeito certo. – Falou. – Não lembro bem quais foram as exatas palavras que ela usou, mas a frase incluía algo como você ser benevolente, doce, delicada e a pessoa mais incrível que ela conhecia. – Revelou. – Oh, não posso me esquecer da parte onde ela assumiu que era perdidamente apaixonada por você. Sem dúvida minha parte preferida. – Maria disse rindo. – Os olhos daquela garota transbordaram tanto amor que eu não pude me submeter a estragar o casamento de vocês com uma mentira que não envolvia Clara. Uma mentira que era minha.


-- Théo não parecia estar mentindo. – Helena disse como se fosse um grande argumento.


-- E Clara, filha? Ela parecia? – Helena mordeu seu lábio inferior. – Seu silêncio já respondeu minha pergunta. – Falou. – Vai para a sua cama, durma, descanse bem e amanhã, quando acordar, volte a analisar os fatos. Agora você ainda está bêbada demais para se organizar interiormente. – Maria disse e Helena assentiu, beijando o rosto de sua mãe.


-- Obrigada, mãe. Você é a melhor. – E, após receber um sorriso genuíno de sua mãe, subiu as escadas, abrindo a porta de seu quarto e a encostando lentamente para não acordar Clara.


Retirou seu roupão e se aproximou da cama. Clara ainda estava aninhada no próprio corpo; seu joelho quase relava sua testa e Helena deduziu que Clara realmente estava com frio.


"Eu te amo, Helena. [...] Por favor, acredita em mim."


A voz de Clara ecoava em sua cabeça, junto com a lembrança de seus olhos brilhando ao pronunciar as palavras. Bufou, incapaz de raciocinar e engatinhou na cama, retirando o lençol de Clara, se aninhando em seus braços na intenção de aquecê-la e depositando um beijo em sua clavícula antes de deitar a cabeça sobre seu peito e voltar a cobrir ambas com o lençol. Não sabia o que pensar, mas independentemente do que decidiria no dia seguinte, naquele momento apenas se permitiu cair no sono no calor do corpo da única pessoa que sempre fora capaz de lhe trazer paz: Clara.

Clarena- Over The RainbowOnde histórias criam vida. Descubra agora