You're the devil in disguise

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1988

                 — E 1, e 2, e... 1...2...3...4... Natasha! Se concentre! — Senti um frio na espinha quando Miss Adrienne gritou meu nome. Era terceira vez que eu errava a sequência.

                 Eu estava ensaiando o solo de Giselle. Em três semanas me apresentaria para alguns grandes nomes do balé, mas a verdadeira apresentação só seria no final do ano, se os planos não mudassem. Mamãe estava radiante e fez questão de me comprar um par novo de sapatilhas douradas para estrear aquela peça.

                 — Desculpe, Miss Jeremy... — Murmurei e repeti como ela havia me ensinado. Eu sempre quis subir na vida de bailarina. O balé faz parte da minha vida e da de Lana desde que posso recordar. Não surpreenderia que já fizesse quando fomos concebidas no útero.

               A família Aubert era famosa por ter mulheres no balé, em cada uma das últimas 3 gerações, houve uma moça que entrou para a história do balé clássico com o sobrenome Aubert, se eu ou Lana conseguissemos esse feito, seríamos as quartas da família a entrar para a história e perpetuar o nome famoso e admirado.

             — Por hoje chega, você deve me apresentar a coreografia com perfeição amanhã, sem falta. Como está muito dispersa, sugiro que fique mais trinta minutos alongando as pernas, eu a quero completamente elástica e, pesando menos de 52 quilos para apresentar aos mestres.

             — Sim, senhora... — Isso me custaria o jantar... Mamãe era rígida com meu peso e o de Lana, dizia que devíamos estar sempre um pouco abaixo do normal.

           É melhor não atingir do que ultrapassar. Era o que mamãe vivia repetindo mesmo que eu já estavesse abaixo do peso ideal de forma que minha clavícula marcava a minha pele e minhas costelas apareciam.

            Eu costumava achar que era normal, mas um dia fui a praia com minha irmã Jenny e vi que ela e suas amigas tinham um corpo bem diferente do meu, mesmo sendo magras, elas não tinham ossos aparentes, era como se nenhum lugar faltasse pele e os rapazes adoravam. Não que eu quisesse ser reparada por eles, eu sempre ficava sem graça quando um garoto me olhava, não era tão boa em relacionamentos.

             Miss Adrienne entrou em uma das coxias do Gold Theater. Respirei fundo e comecei a treinar minha elasticidade enquanto pensava sobre como responder as mesmas perguntas que mamãe me fazia sempre.

              Mesmo com sobrenome de papai em evidência por ser uma família próspera envolvida com as maiores viagens de cruzeiro, o nome Aubert ainda vencia, as pessoas não te aplaudem porque você planeja uma viagem, mas te aplaudem por executar sequências de protagonistas com primor. Então sim, ser uma bailarina não era para qualquer um.

               — Hey! — Chamou Lana. Sua voz ecoou no teatro vazio enquanto ela correu tão graciosa quanto um cavalo até onde eu treinava. Seus cabelos estavam rebeldes, sem vesstígios do coque, mamãe iria falar bastante quando chegássemos.

               — Onde você se meteu? — Questionei entredentes enquanto sentia meus ligamentos gritarem de tanta força, as vezes eu me sentia uma marionete e morria de medo que as cordas resolvessem arrebentar. Bobagem? Talvez, afinal, desespero era meu nome do meio.

              — Miss Adrienne me mandou sair da sala porque não acertei a sequências sete vezes seguidas. Você não viu? Foi depois que ela repassou sua sequência.

Sob o céu estrelado (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora