Coisas que eu ainda me lembro

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2023

             — E então? elas estão se adaptando bem? — Josh, meu irmão mais velho, podia ter 56 anos, mas, de acordo com Lana, às vezes ele parecia mais novo que eu. Foi nessa linha de raciocínio que decidi que ele era o melhor para ajudar com as novas moradoras.

              — Bom, a Marrie só fica no pé da Lana, ela tá muito bem para quem acabou de perder a família e, claro, é uma criança bem barulhenta.

              Ouvi a risada de Josh ecoar enquanto bebericava mais um pouco do café bem amargo.

             — Pra alguém que trabalha com crianças você é bem megera, sabia?

             — Uau, Josh, eu não reparei. — Carreguei a frase com toda a ironia que residia em meu corpo.

              — É sério Natasha, você não podia esperar que a Marrie ficasse quieta em um canto chorando sendo que ela é uma menininha de 4 anos. Ela tem outros jeitos de demonstrar, claro que ela vai chorar, mudar de humor e fazer besteira, mas também tem outros jeitos de mostrar o que sente, se ela está grudada em Lana é porque ela sente que é o porto seguro dela no momento.

             Eu sempre mirava no lugar certo. Sabia que Josh podia ajudar com as meninas, um diploma em psicologia e uma pesquisa especializada em crianças e pré-adolescentes tinha que colaborar com a família de um jeito ou de outro.

              — Talvez você esteja certo.

              — Você sabe que eu estou certo, estou falando dentro da minha área de trabalho, garota.

             Mesmo que meus cabelos negros tivessem ido embora dando lugar aos fios prateados, meu irmão mantinha o mesmo apelido que havia me dado a 50 anos atrás. Minha memória mais antiga foi quando quebrei seu carrinho e ele me chamou de "garota". Nunca de Nat, Tasha ou Megera, como minhas irmãs (Sim, Megera é um apelido bonitinho e carinhoso entre minha geração na família Aubert).

              — Como reage a mais velha?

             — Christina é muito quieta, se ela me conhecesse diria que tem medo de mim.

             — Você se endemoniza demais, sabia? — Revirei os olhos. Não importa quantos anos tivéssemos, eu sempre me sentia uma pirralha quando estava com ele. Acho que ele passava tempo demais com crianças para ter uma natureza tão jovial e bem humorada. O que podia ou não ser verdade já que eu também passava tempo com crianças e era o completo oposto.

              — Eu tenho uma reputação a zelar. — Brinquei e lhe arranquei um sorriso. Ainda era minha especialidade.

             Por um tempo, silenciamos. O ronco do motor do carro que passou pela rua enquanto estávamos encostados em seu trailer foi tudo o que ouvimos pelo que pareceu 1 hora enquanto o chocolate quente esquentava nossos corpos velhos.

               — Josh... Você seria bem-vindo lá em casa, sabe? — As palavras deslizam por minha boca antes que eu pudesse contê-las.

               Ouço um suspiro pesado e, de repente, o semblante de meu irmão se torna sofrido, como se lembranças desagradáveis tivessem lhe tomado a mente.

            — Não sei como suporta viver naquele lugar, entre aquelas malditas paredes... — Depois de todos aqueles anos... A casa que crescemos ainda era um tópico sensível para ele.

              — Só moramos eu, Lana e as meninas. Você deveria repensar, prefere viver como um nômade numa van do que conosco? Lana sente sua falta. Eu sinto. — Onde estava o autocontrole que me foi implantado durante toda a minha vidinha na ponta dos pés?

Sob o céu estrelado (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora